PRIVATIZAÇÃO DE PENITENCIÁRIAS É INCONSTITUCIONAL Por Jacinto - TopicsExpress



          

PRIVATIZAÇÃO DE PENITENCIÁRIAS É INCONSTITUCIONAL Por Jacinto Teles Coutinho | 26/07 10:16 A execução da pena como função jurisdicional e indelegável do Estado A solução do sistema penitenciário brasileiro não está na política de terceirização ou privatização, seja pelo óbice constitucional e das normas vigentes em nosso ordenamento jurídico, seja pela própria essência da realidade peculiar à execução penal. 1. INTRODUÇÃO Este trabalho tem como principal propósito, fomentar o debate sobre a execução da pena no Brasil, e chamar à reflexão acerca do fato de que, tal instituto é função indelegável do Estado. Objetiva-se também ampliar o debate acerca da conclusão da persecução penal, ou seja, se esta se conclui com o julgamento do acusado pelo Poder Judiciário ou com o efetivo término da execução da pena no Sistema Penitenciário. Diante da lamentável realidade das prisões brasileiras, não tem faltado quem defenda soluções, data vênia,inadequadas, à “salvação” do Sistema Penitenciário, seja da área político-administrativa, ou mesmo da jurídica. Isso se reflete de várias maneiras, principalmente por meio de propostas de terceirização de penitenciárias, como caminho natural à privatização da execução penal. Tais atitudes ignoram princípios constitucionais fundamentais expressos e implícitos que obstaculizam essa pretensão, como os da legalidade e da individualização da pena,previstos respectivamente no art. 5º, II e XLVI, da Constituição Federal, associados aos da dignidade da pessoa humana, que adiante explicitaremos Os que defendem a terceirização e a privatização aproveitam-se de uma situação de caos, para tentar justificar suas aspirações. Mas, aqui veremos que segmentos importantes da sociedade, especialmente, instituições de defesa da democracia e dos direitos humanos, têm se manifestado contrários às medidas “fáceis” à execução da pena no Brasil, como a terceirização e a privatização. Enfatiza ainda este estudo, que o direito/dever de punir pertence exclusivamente ao Estado, e nessa ótica, assim como a persecução penal,a execução da pena, ambas reconhecidas como serviços jurisdicionais do Estado, são essencialmente funções típicas deste, o que respalda a ideia aqui defendida, de que a conclusão da persecução penal se dá com o efetivo cumprimento da execução da pena, já que esta é parte integrante daquela. A inércia quase que absoluta do Estado, quer por falta da efetivação de uma política penitenciária que seja capaz, não somente de punir o delinquente, mas de recolocá-lo na sociedade, impedindo-o de reincidir na criminalidade, quer implementando políticas de valorização do pessoal penitenciário, tem contribuído para dificultado a justa execução da pena no País. Não se pode olvidar que agentes públicos do Estado, como delegados, promotores de justiça, advogados públicos e magistrados, participam efetivamente, na condição de atores, da persecução penal. Porém, na parte final dessa ação jurisdicional do Estado, que é a execução da pena, quem efetivamente executa tal ação, são os agentes penitenciários, estes sim, acompanham os detentos nos seus avanços e recuos durante 24 horas por dia, contribuindo, inclusive,na recaptura,quando se evadem dos estabelecimentos penais, e, eventual e paradoxalmente, até mesmo contribuindo para essa evasão. Mostrar-se-á ainda, que esses profissionais, pela inexistência de uma política pública voltada à valorização de suas atividades, desempenham suas funções na maioria das vezes com mínimas condições de trabalho, e, fazem às vezes de médicos, psicólogos, advogados, psiquiatras, assistentes sociais, pedagogos, e pasmem o papel de corruptos, em decorrência de todas as vulnerabilidades a que estão submetidos. Está entre os objetivos desse modesto estudo, mostrar a importância das Regras Mínimas da ONU para o Tratamento dos Reclusos, que datam de 1955 e até hoje não são difundidas na sociedade brasileira, tampouco na comunidade penitenciária, onde, de acordo com esse próprio documento internacional, deveria ser prioridade.Acontecesse o contrário, repercutiria indiscutível e favoravelmente à melhoria do tão combalido sistema, o que se mostrará nessa exposição. Enfim, este trabalho traz ainda, uma importante discussão sobre a efetivação da Polícia Penal na Constituição Federal, cujo órgão terá, dentre as suas atribuições a de investigar o crime organizado a partir do interior dos estabelecimentos penais do País, de onde é comandada em grande parte essa organização criminosa. 2. UMA VISÃO HISTÓRICA E SECULAR DO DIREITO DE PUNIR 2.1. A PENA COMO PENITÊNCIA No entendimento da Igreja Católica, já desde os seus primeiros tempos, a pena devia servir para a penitência, consistindo esta, na volta sobre si mesma, com espírito de compunção, para reconhecer os próprios pecados, ou seja, os delitos, abominá-los, e propor-se a não tornar a incorrer neles, isto é, não reincidir. Assim descreve a penitenciaria Armida Bergamine Miotto: A pena devia consistir, pois, em atos ou atividades e situações capazes de estimular a penitência, como por exemplo, o recolhimento a locais adequados, ditos penitenciários, cujo ambiente, suficientemente austero, favorecesse o necessário espírito de compunção com que haviam de ser praticados semelhantes atos e exercidas semelhantes atividades. [...]. (MIOTO, 1992, p. 25). Na ótica da renomada penitenciarista, a obrigação de reparação e restituição do dano, denotando preocupação com a vítima, não dispensava o pecador (delinquente) da pena, e certamente havia de contribuir para aquele que se comprometesse a não reincidir, a se emendar, ou seja, a se corrigir. Acrescenta a estudiosa, que é importante assinalar que a Igreja, não admitindo entre as suas penas, a de morte, teve desde tempos remotos, locais de recolhimentos para quem desejasse ‘aperfeiçoar-se’, neles se retirando a fim de fazer voluntária penitência – eram os penitenciais, de cuja evolução resultaram os mosteiros e conventos. Havia aqueles que serviam para neles serem encarcerados, ficarem presos os condenados, a fim de fazerem a penitência, cumprirem a pena que lhes houvesse sido aplicada. Ainda sob essa ótica, é destacada a importância de se assinalar que o Concílio de Frankfurt, realizado no ano de 794, condenou as mutilações e outras torturas, as quais estavam no rol das penas da Justiça secular. Outro marco digno de destaque foi, segundo a autora, o Sínodo dos Priores da Ordem de São Bento, realizado em Aix-la-Chapalle (Alemanha), no ano de 817, entre outras coisas, estabeleceu ele, que cada mosteiro dispusesse de locais separados, destinados aos condenados pela Justiça eclesiástica, constituídos por quartos, e dependências para trabalho, em forma de oficinas, inclusive, com possibilidade de aquecimento no inverno, que contava com um pátio como anexo. Já multissecularmente, como se vê, a orientação da Igreja era no sentido de tratar os pecadores com espírito de caridade e misericórdia, dando-lhes a ajuda de que precisassem, afim de que os atos e as atividades destinados à penitência, não fossem sofrimentos inúteis, mas servissem para o penitente reconhecer a sua culpa, arrepender-se e redimir-se. 2.2. DIREITO PENITENCIÁRIO E DIREITO PENAL 2.3. DIREITO PENITENCIÁRIO O Direito Penitenciário consiste num conjunto de normas jurídicas que regulam as relações entre o Estado e o condenado, desde que a sentença condenatória legitima a execução, até que dita execução se finde no mais amplo sentido da palavra, cujo entendimento, conforme Armida Miotto, é do III Congresso Internacional de Direito Penal, Palermo-Itália em 1933. Essa noção de Direito Penitenciário é datada de 1933, quando a pena privativa da liberdade, com recolhimento a estabelecimento apropriado (prisão – penitenciária) constituía a regra sem exceção ou quase, em todo o mundo ocidental de cultura europeia ou dela derivada. É da pesquisadora o pensamento: Se deve que continue válida ainda hoje, quando além da pena privativa da liberdade, existem também e são mais e mais preconizadas, outras formas de pena, consistentes quer em restrições de direito e de liberdade, quer em obrigações de fazer ou de não fazer, cumpridas fora de qualquer estabelecimento prisional, penitenciário, isto é, cumpridas na comunidade. (MIOTO, 1992, p. 18-19). Obviamente que o conceito contemporâneo de Direito Penitenciário, é mais amplo do que em séculos ou em décadas passadas, seja pelo avanço nos estudos da ciência penitenciária, seja pela oportunidade, flexibilidade no Brasil, dos Estados membros legislarem concorrentemente com a União sobre o assunto ora em discussão, conforme art. 24 da Constituição Federal de 1988, ou mesmo pela permanente inovação das normas que regem o Sistema Penitenciário, que têm imposto diversas alterações, inclusive, mais recentemente, implantando novo regime especial nas prisões, a exemplo do Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), forma drástica de sanção disciplinar ao preso. 2.4. DIREITO PENAL Para Cleber Masson, Direito Penal é o conjunto de princípios e leis destinados a combater o crime e a contravenção penal, mediante a imposição de sanção penal. Na lição de Aníbal Bruno, citado por Cleber Masson: O conjunto das normas jurídicas que regulam a atuação estatal nesse combate contra o crime, através de medidas aplicadas aos criminosos, é o Direito Penal. Nele se definem os fatos puníveis e se cominam as respectivas sanções – os dois grupos dos seus componentes essenciais, tipos penais e sanções. É um Direito que se distingue entre os outros pela gravidade das sanções que impõe e a severidade de sua estrutura, bem definida e rigorosamente delimitada. (MASSON, 2009, p.1 - 2). É sabido por todos que militam na área, aliás, até mesmo pelos que não são integrantes desse segmento, que o Direito Penal é ramo do Direito Público, principalmente por ser composto de regras, que, de forma coercitiva, são impostas a toda coletividade. E como reafirma Cleber Masson, “O Estado é o titular exclusivo do direito de punir e figura como sujeito passivo constante nas relações jurídico-penais.” Observa-se ainda sobre o tema o que menciona Frederico Marques: Em sentido lato, o Direito Penal pode ser definido como o conjunto de normas que ligam o crime, como fato, à pena como conseqüência, e disciplina também as relações jurídicas daí derivadas, para estabelecer a aplicabilidade de medidas de segurança, e a tutela do direito de liberdade em face do poder de punir do Estado. (MARQUES, 1954, v. I, p.11). O Direito Penal, como uma ciência jurídica integrante do Direito Público, tem natureza dogmática, uma vez que suas manifestações têm por base o direito normatizado ou codificado, cujo sistema é exposto por meio de normas que inovam a ordem jurídica legal do país, exigindo-se o seu fiel cumprimento por todos indistintamente. Esse é o entendimento dominante da doutrina acerca do assunto. Já em sentido estrito, “Direito Penal é o conjunto de normas jurídicas que regulam o poder punitivo do Estado, tendo em vista os fatos de natureza criminal e as medidas aplicáveis a quem as praticam.”Essa foi a forma mais resumida que a jurista, Armida Bergamini Miotto, encontrou para caracterizar o Direito Penal em sentido estrito, citando E. Magalhães Noronha e Aníbal Bruno. 3. INCOMPATIBILIDADE DA TERCEIRIZAÇÃO NO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO 3.1. BREVE HISTÓRICO ACERCA DA TERCEIRIZAÇÃO Terceirização deriva do latim tertius, que seria o estranho a uma relação entre duas pessoas. Terceiro é o intermediário, o interveniente. No caso, a relação entre duas pessoas poderia ser entendida como a realizada entre o terceirizante e o seu cliente, sendo que o terceirizado ficaria fora dessa relação, daí, portanto ser terceiro. A terceirização, entretanto, não ficaria restrita a serviços, podendo ser feita também em relação a bens e serviços ou produtos. Com relação ao seu conceito, conforme Martins (2007), não existe na legislação vigente nenhuma definição sobre a denominação de terceirização, trata-se, na verdade, de uma estratégia na forma de administração das empresas, que tem por objetivo, bem definido, organizar a empresa e estabelecer métodos da sua atividade empresarial. A utilização da terceirização pelas empresas traz problemas jurídicos, que necessitam ser analisados, mormente no campo trabalhista. É evidente que a empresa deverá obedecer às estruturas jurídicas vigentes, principalmente às trabalhistas, sob pena de arcar com as consequências decorrentes de seu descumprimento, o que diz respeito aos direitos trabalhistas sonegados ao empregado. Visando ilustrar, para melhor entendimento sobre a tão falada terceirização, transcreve-se a seguir parte do que diz o jurista Sérgio Pinto Martins: Consiste a terceirização na possibilidade de contratar terceiro para a realização de atividades que geralmente não constitui o objeto principal da empresa. Essa contratação pode envolver tanto a produção de bens como serviços, como ocorre na necessidade de contratação de serviços de limpeza, de vigilância ou até de serviços temporários. Envolve a terceirização uma forma de contratação que vai agregar a atividade-fim de uma empresa, normalmente a que presta os serviços, à atividade-meio de outra. É também uma forma de parceria, de objetivo comum, implicando mútua e complementariedade. O objetivo comum diz respeito à qualidade dos serviços para colocá-los no mercado. A complementariedade significa a ajuda do terceiro para aperfeiçoar determinada situação que o terceirizador não tem condições ou não quer fazer. [...] Na verdade, os empresários pretendem, na maioria dos casos, a diminuição de encargos trabalhistas e previdenciários, com a utilização da terceirização, podendo ocasionar desemprego no setor [...]. (MARTINS, 2007, p. 24). Como aqui demonstrado, a terceirização é plenamente incompatível com a execução da pena, haja vista, que, esta é função indelegável do Estado, justamente por ser atividade fim, já que é por meio do cumprimento da pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos que o autor do delito é devolvido à sociedade na perspectiva de que não retorne ao cometimento de ilícito penal. 3.2. NATUREZA JURÍDICA Difícil é dizer qual a natureza jurídica da terceirização, pois como visto existem várias concepções a serem analisadas. Dependendo da hipótese em que a terceirização for utilizada, haverá elementos de vários contratos, sejam, eles nominados ou inominados. Sérgio Martins, sobre o assunto assim se manifesta: Poderá haver a combinação de elementos de vários contratos distintos: de fornecimentos de bens ou serviços; de empreitada, em que o que interessa é o resultado, de franquia, de locação de serviços, em que o que importa é a atividade e não o resultado; de concessão, de consórcio, de tecnologia, knowhow, com transferência da propriedade industrial, como inventos, fórmulas. A natureza jurídica será do contrato utilizado ou da combinação de vários deles. (MARTINS, 2007, p. 25). Se a natureza jurídica da terceirização, nos segmentos aceitáveis é tão difícil de ser caracterizada, imagine no Sistema Penitenciário que não admite tal instituto. Poder-se-ia estabelecer uma denominação, fosse a terceirização para o fornecimento de alimentação nos estabelecimentos penais, nesse particular, acredita-se ser compatível com as atividades do Sistema Prisional do país. É realmente dificílimo nominar a natureza jurídica da terceirização na execução penal, porque, patente é a sua dissociação da desejável ressocialização do apenado.são institutos visivelmente díspares. Por outro lado, à luz do que dispõe o Inciso III, art. 4º, da Lei 11.079/2004, que institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública, impede a delegabilidade do poder de polícia para pessoa jurídica de direito privado. O inciso em referência assim disciplina a matéria:“III – indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado”. Como se observa, essa questão está amparada duplamente, já que a execução da penaé também reconhecida como função jurisdicional do Estado.
Posted on: Sat, 27 Jul 2013 09:35:58 +0000

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