Para se exigir condenar José Dirceu, por exemplo, não há que se - TopicsExpress



          

Para se exigir condenar José Dirceu, por exemplo, não há que se verificar se é possível que ele soubesse. Exigem-se provas que demonstrem cabalmente a participação dele no crime apontado. Para ele e para todos os demais réus da AP 470. Em matéria penal é preciso demonstrar cabalmente todas as acusações. Mas, como a AP 470 foi feita como se fosse uma peça literária, levou o julgamento ao vício, isto é, o julgamento é nulo. Viomundo – Por que o julgamento é viciado? Luiz Moreira – Primeiro: pela insuficiência na atuação do Ministério Público Federal. O Ministério Público Federal não comprovou as acusações que fez. Segundo: porque o Judiciário não pode se pautar pelo mesmo método do Ministério Público, que é o acusador.Na tradição jurídica ocidental, se exige a estrita comprovação do alegado. A ficção é apenas literária, não tem valor jurídico. Viomundo – Mas o ministro-relator assumiu essa peça de ficção literária como se fosse verdadeira? Luiz Moreira – Assumiu. E o método de trabalho proposto por ele é um método que favorece a acusação em detrimento da defesa. Viomundo — Quer dizer que o Supremo acabou sendo conivente com esse processo todo? Luiz Moreira — O Supremo Federal para mim hoje tem dois grupos, duas frentes. Uma frente conservadora liderada por Joaquim Barbosa, na qual se inserem Marco Aurélio, Gilmar Mendes e Luiz Fux. E uma frente liderada pelo ministro Lewandowski, que é uma frente garantista, que imagina o Supremo como o tribunal dos direitos e das garantias constitucionais. O grande papel desempenhado pelo ministro Lewandowski, na Ação Penal 470 — e que, na minha opinião, ainda não foi devidamente valorizado – é o de defesa dos direitos do cidadão ante à ação do Estado. Viomundo – Pelo contrário. O ministro Lewandowski foi achincalhado pelos colegas e pela mídia… Luiz Moreira – Ele foi achincalhado exatamente por defender os direitos fundamentais de quem quer que seja. Em qualquer país civilizado, o Judiciário não se confunde com o Ministério Público, não se confunde com a Polícia. E também não se confunde com as estruturas majoritárias, que decidem conforme a pressão ou os interesses da maioria. O Supremo Tribunal decide pelos direitos fundamentais. Então há de haver por parte do Judiciário um afastamento da pressão popular. Do linchamento, portanto. E o ministro Lewandowski assumiu para ele o papel de conferir ao Supremo Tribunal Federal a missão de se desincumbir de uma tarefa judiciária estrita, que é julgar conforme as provas. O ministro Lewandowski é o juiz dos direitos fundamentais. Viomundo –Em alguns momentos desse julgamento eu me lembrei da ditadura civil-militar no Brasil… Luiz Moreira – Ditadura que foi convalidada pelo Supremo Tribunal Federal. A tradição libertária do Supremo é muito recente. É importante que se tenha a clareza de que o Supremo Tribunal Federal legitimou todas as ditaduras brasileiras. Seja a ditadura Vargas, seja a ditadura militar. O Supremo sempre foi vacilante no que diz respeito à tutela dos direitos fundamentais, em garantir os direitos humanos. Você vê que na ditadura militar os habeas corpus eram negados. E o Supremo dava feição jurídica ao que a ditadura militar fazia em termos de violação aos direitos. Tanto que a Olga Benário, por exemplo, foi deportada com ordem judicial. Viomundo – Eu cheguei a acompanhar alguns depoimentos na Auditoria Militar, na Brigadeiro Luís Antônio. A defesa não tinha direito a nada, os presos muito menos ainda. O pacote já vinha pronto, e acabou. Nesse sentido, em vez de avançar, a gente regrediu com a AP 470. Luiz Moreira – Você está certa. Regredimos, sim. Hoje, a grande disputa no Supremo é entre uma frente defensora dos direitos fundamentais e uma frente conservadora, que se baseia no discurso da lei e da ordem, na tradição do Bush, por exemplo.Uma tradição que o tribunal não se esqueceu da época da ditadura. O ministro Lewandowski, com a sua postura, inaugura essa fase de disputa. Ele fixa a exigência de observância dos preceitos constitucionais. A Constituição de 1988 inaugura no Brasil a era dos direitos fundamentais. Defesa dos direitos fundamentais que o Supremo Tribunal Federal sempre se negou a fazer. Todos os ministros contrários à ditadura, como o ministro Evandro Lins e Silva, foram aposentados compulsoriamente. E os demais ministros, em vez de serem solidários a eles, foram solidários ao regime militar. Por isso, insisto: o papel do Lewandowski é histórico, porque ele estabelece que o papel do STF é garantista, como tribunal que garante os direitos fundamentais. Neste julgamento, o papel do ministro Lewandowski transcende os limites da Ação Penal 470, estabelecendo uma frente de direitos. E as nomeações do ministro Teori Zavascki, que é um ministro altamente técnico, e do ministro Roberto Barroso, fortalecem a tese do tribunal como tribunal dos direitos fundamentais. Viomundo — E agora, professor? Luís Moreira – O nosso sistema jurídico está precisando de uma nova engenharia constitucional. Não é possível numa democracia que haja sobreposição do Judiciário sobre os poderes políticos – Legislativo e Executivo. É preciso que nós achemos uma saída democrática para o impasse institucional em que chegamos. Nós estamos vivendo num impasse. A supremacia judicial não se coaduna com o regime democrático. Então, precisamos de uma saída. Dois bons modelos são o inglês e o canadense. Lá, em certos tipos de manifestações judiciais – por exemplo, quando avançam sobre políticas públicas emanadas do executivo e algumas normas legislativas — a discussão volta para o parlamento e a discussão é feita pelo senado. Do jeito que está não dá para continuar. Nós vamos gerando impasses, próprios do mundo moderno, que não são passíveis de resolução pelo Direito. Problemas que só encontram solução com a política. tijolaco.br/index.php/conselheiro-nacional-do-mp-denuncia-acao-penal-470-e-peca-de-ficcao/
Posted on: Mon, 23 Sep 2013 22:18:23 +0000

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