Para todos aos quais a verdade, por mais improvável que pareça, - TopicsExpress



          

Para todos aos quais a verdade, por mais improvável que pareça, é mais importante do que a cômoda ilusão de que tudo está bem, segue meu depoimento sobre a noite de 15/10/2013, quando o Governador do RJ instaurou explicitamente o terror de Estado e a grande mídia escreveu os maiores absurdos para que a população, alheia aos fatos, aplaudisse os abusos que ocorreram. De antemão peço desculpas pelo tamanho do texto, mas a noite foi longa... Meu nome é Felipe Ferreira e sou manifestante e defensor de formas de protesto pacíficas, não passivas e impactantes. Na noite do dia 15 de outubro, me atrasei para a manifestação dos professores e acabei me dirigindo à Cinelândia por volta das 20 horas. Sabia que o protesto dos educadores estava no seu fim e me dirigi diretamente à ocupação da escadaria da Câmara Municipal, onde permaneci, como sempre faço, para proteger este espaço e garantir que não fosse desocupado, além de ajudar a todos os feridos que procuram a Ocupação como ponto seguro em meio à corriqueira repressão da Polícia Militar. Me recordo de parte dos professores indo embora e de muita gente permanecendo, inclusive muitos professores e alunos, trocando ideias e juntas criando um caldeirão fervilhante de pessoas politizadas e em processo de politização. Lembro do momento em que o barulho do falatório e das palavras de ordem foram interrompidas pela única forma de comunicação que o Estado utiliza diante de uma oposição crescente como essa, e as primeiras bombas se fizeram ouvir. Levanto da escada, na qual estava sentado conversando, procurando identificar a origem do conflito que se iniciava à minha esquerda. Me posicionei para utilizar a estratégia padrão de defesa da ocupação durante conflitos: desviar a massa e deixar passar para as escadas somente pessoas feridas e necessitadas de auxílio desde que não permanecessem com máscaras. Dessa forma por mais de dois meses a PM não conseguiu os motivos necessários para atacar e desocupar. Nesse dia percebi que havia algo de diferente. A violência crescia a cada conflito travado e a ocupação foi atacada diretamente pela PM com várias bombas explodindo em nossos pés, uma inclusive sendo atirada intencionalmente em um grupo de pessoas que estavam de costas e agachadas com as mãos protegendo as cabeças (atingiu o braço de uma menina que quase desmaiou quando explodiu próximo ao seu pé – várias pessoas deste grupo passaram muito mal nos minutos seguintes, sendo ajudadas por socorristas). Nesse dia, não houve como impedir a entrada de qualquer um na escada da ocupação, todas as ruas estavam fechadas e essa atitude iria colocar a todos no meio da Cinelândia, na linha de tiro de todos os cercos da PM. Foi quando houve um momento de calmaria, que alguns acreditaram ser o fim. Algumas pessoas chegaram à escada nessa hora, vindo de outros lugares e trazendo notícias. Algumas dessas pessoas vieram somente para encontrar com amigos para voltar para casa, utilizando a ocupação somente como ponto de encontro (isso é usual). Foi quando a PM, comandada por um capitão do BOPE, começou a bater em seus escudos ainda fora da Cinelândia. Observei uma quantidade absurda de policiais avançando e fazendo um cerco em forma de ferradura em frente à escadaria, enquanto outros subiam as escadas brandindo os cassetetes e ordenando que todos se sentassem. Quando alguns questionaram essa ordem e pediram por calma foram agredidos com os cassetetes até se sentarem. Os policiais que se colocaram mais próximos, na escada, justificavam a truculência e os xingamentos e piadas proferidos por eles como resposta a um policial que havia levado um tiro (informação não confirmada posteriormente), como se um erro justificasse outro. A coerção foi atípica (organizada, orquestrada), mas imaginávamos que iriam nos manter ali para uma revista, provavelmente vexatória, e levar todos que estivessem com máscaras, bombinhas, morteiros e coisas do gênero. Os demais seriam dispersados e tudo acabaria. Alguns levantavam de quando em quando para desobedecer a ordem de sentar-se e eram imediatamente forçados a sentar novamente sob a ameaça dos cassetetes. Foi quando mesmo sentados começamos a entoar palavras de ordem a plenos pulmões, e a fazer “olas”, uma expressão clara de desobediência civil, pacífica, diante daquele abuso. Quando chegaram os primeiros ônibus percebemos que não alguns, mas todos nós, seríamos utilizados como exemplo. Ou seja, novamente a PMERJ sendo utilizada como porrete particular do Sérgio Cabral para aterrorizar quem está saindo nas ruas e quem está pensando em sair de casa. Fomos escolhidos e escoltados um a um para levantar da escada, ser revistado e posto em um ônibus sem sermos informados sobre o nosso destino ou sobre a acusação que justificaria aquela detenção. Enquanto isso acontecia, observamos alguns PMs quebrando e desmantelando toda a pobre infraestrutura da Ocupação. Finalmente conseguiram fazer o que queriam, um deles, do Choque, sorrindo desdenhosamente disse que tinha sonhado várias vezes com aquele dia. Quando finalmente fui levado e revistado, o PM que me escoltava, apesar da situação, talvez pela minha postura (calmo e educado, sem ser subserviente), teve uma conduta correta e educada. Depois de sentar consegui abrir diálogo com ele e outros dois PMs que escoltavam outras duas pessoas na mesma situação que eu. Foi interessante ver o quão ressentidos estavam por serem taxados de ignorantes, dizendo que vários têm diploma universitário e fazem prova para outros lugares. Além disso, ouvi PMs me dizendo que só fazem o que fazem pq a polícia é militarizada e que se não fosse poderiam até estar sentados ao meu lado naquela escada (por isso milito a favor da desmilitarização da Polícia e não contra os PMs – mas isso é outra discussão). Novamente perguntamos para onde estavam nos levando, mas nem mesmo eles pareciam saber (estavam seguindo a escolta). Um cara insistiu e utilizou um tom de voz mais agressivo falando o nome de cada PM para um familiar ao telefone. Isso deixou os PMs mais nervosos do que já estavam e finalmente disseram que nos levariam “pra DP da cabeça do meu pau”. Nessa hora achei que a coisa iria desandar, mas alguns pedidos de calma foram ouvidos e a situação ficou controlada. Chegamos à 25ª DP, onde vimos a Sininho ser “pinçada” de dentro de um ônibus e levada separadamente dos demais. Foi quando entendemos que ela e outros seriam rotulados de líderes perigosos pelos PMs e pelos jornais, dificultando ao máximo a sua soltura e garantindo que, mesmo que isso ocorresse, fosse condenada pela população independentemente de sua inocência quanto às acusações. Ficamos lá muito tempo, entregamos nossas identidades para que fosse feita uma lista que, teoricamente, iria agilizar o processo de liberação (aham...), e depois foi dada a ordem de nos levar para outra DP. Novamente eles não nos informaram nada. Depois de um longo percurso chegamos na 22ª. Os advogados voluntários chegaram na DP exatamente no mesmo momento que o nosso ônibus estacionou. Ficamos algumas horas sentados dentro do ônibus esperando o tenente responsável para prestar depoimento. Em um determinado momento, um grupo de dez pessoas, eu inclusive, foi conduzido ao interior da DP. Ficamos no chão do corredor próximo à cela dos presos, que estava razoavelmente cheia. Entregamos novamente nossas identidades para um inspetor para levantarem nossas fichas e aguardamos. Os menores foram trazidos à DP tb. Mas as mulheres e homens, com exceção do nosso grupo, ficaram no ônibus lá fora. Essa situação perdurou por horas, durante as quais sofremos uma verdadeira tortura psicológica sem saber o que aconteceria conosco. Nos disseram que a expectativa era de talvez soltar os menores se os pais viessem buscá-los, e os maiores seriam mandados para Bangu. Em seguida nos davam esperança de que seríamos libertados, para logo depois retirá-la novamente. Nesse meio tempo dois policiais do Choque, com anuência da delegada, começaram a realizar novamente a revista das nossas mochilas, e quando viam algo “suspeito” mandavam um alfanumérico anotar em um caderno e apreendiam os objetos. No meu caso, pegaram óculos de proteção, que usava por receio de ficar cego devido à bala de borracha ou fragmento de bombas, máscara de pó de pintor, que ajudava um pouco enquanto estava no meio do gás e, pasmem, meu casaco preto da Adidas que nem capuz tinha, só pq era preto (a nova cor da subversão). Em meio a tantas informações desencontradas e notícia de que em outras DPs tinha gente sendo enviada direto para Bangu, o sol raiava lá fora e chegava até nós através de uma nesga por baixo de uma porta onde havia os dizeres “saída exclusiva para condução de presos”. Eu começava a me perguntar se a próxima vez que sentiria o sol no meu rosto novamente estaria a caminho de casa ou no pátio de uma penitenciária. Quando parte do nosso grupo adormeceu, o olhar fixo naquele pequeno faixo de luz e aquele pensamento perturbador, aliados ao tratamento que os presos da DP receberam ao longo da noite, se tornavam quase obsessivos. Se não fosse a chegada de um grande amigo, advogado, um rosto conhecido em meio a tantos desconhecidos, acho que teria perdido a calma em algum momento e não conseguiria ajudar mais ninguém a mantê-la. A delegada do plantão e todos os inspetores da DP estavam achando um absurdo o nosso enquadramento na lei de organização criminosa, mas ficou cada vez mais claro que estava esperando a troca do turno para entregar a responsabilidade da decisão para o delegado titular. A DP estava sofrendo uma pressão enorme da Martha Rocha para que todos fossem enviados para Bangu. A esta altura tínhamos grande esperança de sermos soltos mesmo que acusados de autoria de crime de corrupção de menores e formação de quadrilha (no mínimo), sendo enquadrados na lei de organização criminosa. Os menores foram soltos logo após a edição do jornal da manhã na TV (coincidência?) e os demais manifestantes, ainda no ônibus, foram colocados para dentro da DP (entre 07:30 e 08:30 da manhã). Isso, e notícias de outras duas DPs que haviam soltado a todos sem nenhuma acusação, nos deu mais esperança. Depois de mais algumas horas fomos informados pelos advogados de que seríamos liberados como envolvidos, e não autores, dos crimes e que o tenente declarou que não tinha condições de individualizar a ação criminosa de cada um. Rolou até uma “vaquinha” para os advogados comprarem nosso café da manhã na padaria. Antes o estômago embrulhava de dar nó, mesmo com a fome que estávamos. Depois de certa hora, com a abertura dos demais andares da DP, fomos conduzidos a um auditório onde finalmente tivemos o mínimo de conforto e fomos recebidos pelo Delegado titular, que muito educadamente nos informou sobre a nossa situação e como seriam os procedimentos para a nossa liberação. Prestamos depoimento de dois em dois e assinamos o relatório de ocorrência, contendo as acusações. Os inspetores que nos conduziram nesse procedimento pareciam que estavam ao nosso lado na escada na Câmara: discursavam como se fossem manifestantes, falando da roubalheira, falta de representatividade, e ditadura travestida de democracia em que vivemos. Finalmente saí à rua e tive que “dar uma de macho” para segurar a emoção nos momentos de silêncio à espera de um táxi, sentindo aquele sol no meu rosto e tendo uma sensação e clareza sobre a condição presente que me emocionava mais que o sol. Ao final destas 13 horas de abusos e absurdos sem paralelo pude ter uma percepção mais clara da liberdade que tanto anseiam “as ruas”, liberdade essa há tanto usurpada de nós sem que ao menos percebêssemos, enquanto ríamos para a TV e aplaudíamos os jornais. Não vou deixar de sair às ruas em busca de uma democracia de verdade, sem pseudos políticos e governantes que prezam o poder acima do seu povo! Nesse atual momento histórico a nossa abstenção, saibam, está corroborando e legitimando que o Governador ordene a PM a executar ações ilegais, contra pessoas que estão indo às ruas ansiando principalmente serem ouvidas. Não seja imparcial, informe-se, politize-se, forme SUA opinião e manifeste-se de qualquer maneira, mas saia da zona de conforto, pois ela torna nossas vidas mais e mais miseráveis. #pelaliberdadedospresospoliticos #vemprarua #protestopacificonaopassivo
Posted on: Mon, 21 Oct 2013 04:05:18 +0000

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