Paris, 26 de Abril de 2009 Saí para a rua um pouco antes de - TopicsExpress



          

Paris, 26 de Abril de 2009 Saí para a rua um pouco antes de acordar, se é que realmente dormi. Acendi um cigarro, enquanto me tentava lembrar se a noite anterior tinha sido boa ou má. Quando fumo em jejum, tenho um estranho prazer e uma ligeira dor de estômago. Ambos foram passando lentamente enquanto agrupava memórias. Raramente faço isso, mas Paris é uma cidade que pede cigarros. Foi fácil, no nosso reencontro, decidir que o plano era voltar ao mesmo bairro da noite anterior. Não estávamos em Paris para a ver, mas sim para a sentir… e é em Montmarte que mais se lhe sente o pulso. Apanhamos o metro e resolvemos sair no Pigalle… apetecia-nos andar um pouco a pé e ambos gostamos destes lugares pela manhã. Seriam talvez dez e meia, mas Pigalle ainda acordava… se é que realmente dormiu. Cheirava a vomitado e a flores frescas... e era muito fácil distinguir os madrugadores dos que perderam a noite. Como disse o meu amigo, - No Pigalle até as farmácias parecem casas de putas. - A descrição não é só boa, é perfeita. Lentamente, a subida para o Sacre Couer, ia ficado mais próxima. Depois de dois cigarros a seco, aliados à noite anterior, parecíamos dois ciclistas naquelas etapas dos Alpes, mas lá fomos subindo ofegantes, trauteando “piafes” com a qualidade de um Karaoke suburbano. Subir Montmartre é subir ao céu. Não sei como será subir ao céu mas também não interessa. Achei piada de em poucos minutos passar do "inferno" do Pigalle para o céu do Sacre Coeur. No cimo da escadaria vê-se o mundo todo. Não me adianta estar aqui a descrever como um escritor. Embora não pareça, não gosto de cair no ridículo. Descrições são para o Eça de Queiroz, e esse sim sabe o que faz. De tudo quanto vi, o que mais me prendeu foi um curioso bêbado a comer um gelado. Um bêbado a comer um gelado seriam vinte páginas para o Eça… Sentado nas escadas, estava também um grupo especial, três daqueles hippies que costumam ter cães, rodeados de alguns miúdos, com um ar muito apresentável. Bebiam em comum e tinham uma cumplicidade verdadeira, própria de quem partilhava Sartre ou talvez uma hepatite. Agora a sério, quando se houve o "Imagine" do Lennon naqueles degraus, a letra faz todo o sentido. Cada um sente paz como bem entende, e todas são formas válidas (Padre Borga incluído), eu e o Carlos sentimos a nossa paz ali. Com o espírito inundado fomos à Igreja. Cada santo tinha um monte de velas com um cesto ao lado. Quem as quisesse acender, tinha que colocar no cesto a módica quantia de dois euros. Coloquei vinte cêntimos no Santo António e acendi a vela sem nenhuma vergonha na cara… primeiro porque sou português, segundo porque não sou parvo, e terceiro porque duvido que Deus achasse piada, ao ver-me dar mais a uma imagem, do que ao artista de rua, a quem tinha dado cinquenta cêntimos. Ao São Paulo coloquei dez cêntimos e acendi na mesma a vela… não tenho grande confiança com ele e nem sequer é do meu país… mesmo assim mas também lhe pedi umas coisas. Entre o “ver quem passa” nos cafés e na escadaria, lá passámos nós a tarde. Pode parecer simplório, mas não é de todo. Montmartre não para ver, é para deixar passar por nós… e acredito que qualquer nabo consiga sacar dali diamantes. A noite anterior, ficará para escrever noutro dia… ou quem sabe para nunca mais.
Posted on: Sun, 11 Aug 2013 19:24:27 +0000

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