Patrícia Schulte Um LFV das antigas. Gaúchos e cariocas É - TopicsExpress



          

Patrícia Schulte Um LFV das antigas. Gaúchos e cariocas É preciso dizer que estávamos naquela brumosa terra de ninguém, que fica depois do décimo ou do 15º chope. Tão brumosa que não dá mais para distinguir entre o décimo e o 15º. Tínhamos sido apresentados no começo da noite mas já éramos amigos de infância. Em poucas horas nossa amizade passara por vários estágios, desde o “leste o livro do Chico?”, até as piores confidências, e agora nos comportávamos como confrades, como se nossa amizade fosse mais antiga que nós mesmos. Isto é, estávamos brigando. - Vocês, gaúchos… - O que é que tem gaúcho? - Pra mim gaúcho é tudo veado. - Não Radicaliza. - Se tem que dizer que é macho, é porque não é. - Lá no sul se diz que numa briga de gaúcho, paulista, mineiro e carioca, o gaúcho bate, o paulista apanha e o mineiro aparta. - E o carioca? - Fugiu. - Viu só? Pensam que são mais machos que os outros. Diz que as bichas de Paris protestaram porque as bichas cariocas estavam invadindo o seu mercado: “Voltem para o Rio. Go home!”. Aí as bichas cariocas reagiram: “Ah, é? Então tirem as gaúchas de lá.” - Está aí, fugiram. Mas isso tudo é mágoa porque são os gaúchos que mandam neste país. Vocês estão assim desde que nós amarramos os cavalos ali no obelisco. - Aliás, essa fixação no obelisco… - Gaúcho é o único brasileiro sério. - Sem graça não é sério. - Só o gaúcho fala português. Essa língua de vocês não existe. Paulista põe “i” onde não têm. Você falam chiando. Onde tem um “r” botam dois e onde tem dois botam quatro. -Vocês falam espanhol errado e pensam que é português! - Mas o que a gente diz é pra valer. Não é como carioca que diz uma coisa e quer dizer outra. - Ah, é? - É. Quando carioca encontra alguém e diz: “Meu querido!”, quer dizer que não se lembra do nome. “Precisamos nos ver” quer dizer “está combinado, eu não procuro você e você não me procura”. - O que vocês não aguentam é que nós, cariocas, somos informais, bem-humorados… - Isso é mito. Entra num “Grajaú-Leblon” lotado na Nossa Senhora de Copacabana, às três da tarde, no verão, que eu quero ver o bom humor. - Não radicaliza. - Os mitos cariocas. O Zico, por exemplo… - Eu sabia. Eu sabia que ia chegar no Zico! - O Zico é uma entidade abstrata criada pelo inconsciente coletivo do Maracanã. - O Campeão do Mundo. Campeão do Mundo! - Porque não entrou um inglês no calcanhar dele. Se encosta um, o Zico cai. - É. O bom é o Batista. - Não troco um Batista por dois Zicos. - Ai, meu Deus. Ai, meu Deus! - Outra coisa: mulher. - Claro. Mulher. A mulher carioca não vale nada. - Vale. Mas é sempre da mesma cor. Mulher tem que ir mudando de cor com as estações. Quando chega o verão, as gaúchas vão tostando aos poucos, como carne num braseiro de chão, até estar no ponto. Só ficam prontas mesmo em fevereiro. A carioca está sempre bem passada. É como comer churrasco em bandeja. - É. A medida de todas as coisas, para o gaúcho, é o churrasco. A comida mais sem imaginação que existe. - Vai dizer que comida é isto que vocês comem aqui? - Mas bá. Eu estava levando o chope à boca e parei. - O que foi que você disse? - Eu? Nada. - Você disse “mas bá”. - Não disse. - Disse. Eu ouvi nitidamente um “mas bá”. - Está bem. Eu disse. - De onde você é? - Dom Pedrito. Estava no Rio há menos de dois anos e chiava como uma locomotiva no cio. Mas não me senti triunfante. Me senti derrotado. Eu estranhara ele não ter dito: “Se você gosta tão pouco do Rio, o que é que está fazendo aqui?”. Eu não poderia responder a não ser com a verdade, que era fascinado pelo Rio. Uma característica de gaúcho é que gaúcho é fascinado pelo Rio. E ali estava ele como prova que depois do fascínio vinha a rendição, a vitória carioca. Acabou a discussão. Nos despedimos e saímos, cada um cambaleando para um lado. Na saída ele ainda disse: - Precisamos nos ver…
Posted on: Wed, 21 Aug 2013 19:46:54 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015