Paulo Pimenta, membro da Comissão do novo Código de Processo - TopicsExpress



          

Paulo Pimenta, membro da Comissão do novo Código de Processo Civil, diz que diploma vai ajudar a resolver problemas da Justiça, mas é essencial alterar hábitos com mais de 70 anos. 1. O Código de Processo Civil é mesmo novo ou, como alguns dizem, um código antigo retocado? - Formalmente e substancialmente é um novo código, no confronto com o anterior. Há soluções que marcam corte radical com uma tradição com mais de 70 anos. Não é apenas mais uma alteração. 2. Que problemas se procura resolver? - Tínhamos muitas vezes uma ficção. Uma "verdade" no processo e outra na realidade extraprocessual. Há aumento dos poderes de cognição do tribunal, porque o juiz tem o dever de considerar toda a matéria que surja no processo, independentemente de ser ou não alegada pelo autor ou réu. Exemplo: numa ação por acidente de viação, se o autor não alegava que a viatura deixou um rasto de travagem de 30 metros, o que pode indiciar velocidade excessiva, o absurdo do rigor levaria a que, por não estar no processo, o juiz não considerasse este facto, mesmo sendo conhecido pelo depoimento de testemunhas! 3. Como é possível fazer com que as sentenças sejam redigidas "de forma simples" pelos juízes, como anuncia na Imprensa o Ministério da Justiça? - Sentenças simples não se instituem por lei. Neste ponto, o anúncio do Ministério da Justiça não tem correspondência com o código. A questão é se o modo como as sentenças são redigidas é adequado. Para resolver um caso concreto não é preciso citar obras doutrinárias ou acórdãos em várias páginas. Mas os juízes só podem mudar esta técnica se estiverem seguros de que não serão censurados por via das inspeções do Conselho Superior da Magistratura... 4. O Governo parece querer instituir o bom senso através de um Código? - O bom senso é de quem aplica a lei! A lei vem é criar mecanismos para impor alteração de hábitos. Por exemplo, pode haver suspensão de processo para tentativa de acordo, mas sem adiar a audiência final. Isto cria um limite temporal: quem quiser acordo tem de se empenhar. Só quem nunca foi testemunha é que não percebe o quão desagradável é uma audiência ser adiada no próprio dia. Outro exemplo é a junção de documentos. Acontecia que iam sendo juntos conforme dava jeito, como trunfos num jogo de cartas. Isto provocava atrasos. Agora têm de ser juntos antes de começar a audiência final; posteriormente, só sujeito a controlo do juiz. 5. Quanto tempo irão demorar os processos? - Em condições normais, não há razão para um processo em primeira instância durar mais do que oito, nove meses. Em termos de prazos, há um aspeto simbólico, porque se dizia que só existem para advogados. A lei diz agora que se o juiz ultrapassa em três meses o prazo normal para decidir, tem de justificar e há sempre comunicação à respetiva entidade disciplinar. E a justificação não pode ser a mera acumulação de serviço invocada genericamente... 6. Há leis mal escritas? - Há! Um exemplo claro é o decreto-lei 226/2008. Tem erros técnicos que provocaram graves danos na tramitação das ações executivas. No caso deste código devo dizer-lhe que uma coisa é o texto tal como saiu das mãos da comissão, outra coisa é o circuito por onde passa a proposta de texto legal. Depois de um trabalho desta envergadura, que envolve 1085 artigos, é muito perigoso que entidades várias, gabinetes ministeriais vários, e sucessivos, possam fazer alterações avulsas de artigos. É muito preocupante. 7. O que aconteceu? - Há algumas soluções na versão final que não correspondem à redação que saiu da comissão. Digamos que valores mais altos se levantaram. Caso claro é a solução no âmbito do pagamento em prestações na ação executiva, que resultou de imposição dos serviços do Ministério da Justiça. A lei diz agora que o pagamento em prestações extingue a execução, quando antes suspendia. É uma solução imposta e que me repugna. É fundada numa preocupação meramente estatística: deixar de contar como processo pendente. 8. Foram introduzidas virgulas ou alçapões na lei? - Alçapões, não. Houve meia dúzia de mexidas que não foram devidamente ponderadas na globalidade do sistema. Já estão detetadas disfuncionalidades, embora julgue que não virá daqui grande mal ao mundo. Mas era de evitar. É verdade que a Assembleia é o poder legislativo. Só que isto funciona mal, muito mal. O modo como os deputados vão sugerindo redações para este ou aquele artigo, de forma avulsa, é muito arriscado. À distância fomos acompanhando e conseguindo, aqui e ali, pôr alguns travões. Havia propostas aberrantes, sem nexo algum. Não queria ser desagradável, mas fica a ideia de que as comissões parlamentares que funcionam nestes meios têm graves défices de conhecimento para mexer em assuntos desta dimensão. Não conheço pessoalmente nenhum dos deputados que intervieram. Mas basta ver as gravações das audições parlamentares para se perceber que muitos deles não sabiam exatamente do que estavam a falar. É confrangedor o nível de muitas das questões colocadas... Poucos passariam num exame de Processo Civil. 9. Qual a medida mais complicada de impor? - Na ação executiva, poderemos ter problemas decorrentes da má adequação dos programas informáticos. A aplicação informática não pode impor uma coisa, apesar de a lei dizer outra! Tem de ser modificada. Na ação declarativa, depende do mapa judiciário devidamente agilizado, nomeadamente na ideia de que o juiz tem de ser o mesmo do início ao fim. No resto, temos de ser capazes de interiorizar que o sistema de 1939 acabou e não tem suporte na lei. O processo não tem amarras formais, o juiz não pode fechar os olhos a factos. 10. Nota um movimento para retirar a Justiça dos tribunais e dos juízes, através das arbitragens, dos escritórios de advogados de Lisboa, e outros meios de resolução de litígios? - Quem diz isso é o bastonário dos advogados e quem anda à volta dele cegamente, mas com uma motivação que todos percebem. A arbitragem é um meio de resolução de litígios essencialmente voluntário. Qual é o problema da arbitragem voluntária? As partes, se têm a mesma vontade e estão em plano de igualdade económica, é que sabem da sua vida! Já a arbitragem fiscal e administrativa faz-me alguma impressão. Estamos a falar de interesses que não são apenas privados. De todo o modo, não faz sentido criar mecanismos apenas para forçar a diminuição das pendências nos tribunais. Devem ser só alternativos. Nuno Miguel Maia | Jornal de Notícias | 09-09-2013
Posted on: Tue, 10 Sep 2013 09:29:56 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015