Permito-me publicar no meu mural este texto de Daniel Oliveira, - TopicsExpress



          

Permito-me publicar no meu mural este texto de Daniel Oliveira, porque me revejo em muito do seu conteúdo, não fosse eu um dos descendentes dessa classe que nos anos 60 sobrevivia, e com grande sacrifício tudo fez para que eu pudesse ter uma vida melhor, o que só foi realmente possível porque houve um 25 de Abril e porque durante alguns bons anos se deu valor ao trabalho (porque antes só se dava ao capital, situação esta que infelizmente está de regresso!) Note-se que sendo profissionalmente Economista e Gestor e além de tudo, verdadeiramente consciente de tudo o que me rodeia porque me preocupo com o futuro, especialmente dos meus filhos, sei perfeitamente que não fomos nós o "povinho" os culpados desta "crise" como todos deveriam saber, mas sim a mais que corrupta classe política-partidária e seus acólitos que desde 1986 foram enchendo os bolsos com os desvios dos fundos comunitários e todas as negociatas que o exercício do poder lhes propiciou, até os desfalques nos bancos que os amigos deram e que nós temos de pagar :( É com alguma tristeza que vejo por vezes algumas pessoas proclamarem que no antes 25 de Abril de 74 ou no 5 de Outubro de 1910 é que os Portugueses eram felizes... Mas estão muito enganados: só se fossem as classes protegidas, porque nós, o povo, sempre fomos miseráveis e excluídos. Só é pena que tenhamos voltado ao mesmo passados estes anos, porque a classe que nos domina sabe bem que nós, tal como o falecido Pinheiro de Azevedo dizia, o povo Português é sereno... é só fumaça!... e eles sabem que ninguém vai estragar a sua vida e a da sua família para fazer justiça pelas suas próprias mãos... «Pacatos e trabalhadores, poupados e prudentes (…) Nos anos 60, Portugal não era pacato. Era obediente. Como são obedientes todos os povos que vivem em ditadura. E quem não o era, fugindo à norma nacional, era vigiado, perseguido, preso, torturado e até morto. Portugal não era apenas trabalhador. Era escravo. O trabalho infantil era uma banalidade, os horários, as férias e os fins-de-semana um luxo inalcançável. E, no entanto, apesar de se trabalhar para lá da decência humana, em 1961 a nossa produtividade era, como recorda Raquel Varela, muitíssimo inferior à de hoje. Portugal não era poupado. Era miserável. Morria-se cedo, comia-se mal, não se tinha nem saúde nem educação. Era analfabeto, doente, subdesenvolvido. Quem sabe como era a vida da esmagadora maioria dos portugueses, sobretudo fora das grandes cidades, sabe que é um tempo que não pode deixar saudades. As despesas sociais correspondiam a 4,4% do total do PIB, enquanto no resto da Europa estavam acima dos 10%. Os indicadores de saúde eram de um País do terceiro mundo. O número de analfabetos era muitas vezes superior ao dos licenciados. Portugal não era prudente. Era obstinado no seu conservadorismo. Ao ponto de julgar que poderia continuar a viver como se o mundo estivesse na mesma. O que o levou, entre tantas outras asneiras que nos deixaram para trás, a desperdiçar e destruir milhares vidas e a gastar, em média, metade do orçamento de Estado numa guerra que inevitavelmente acabaria como acabaram todos as lutas pela independência em África: com uma derrota militar ou política do colonizador. Depois veio o 25 de Abril. O País "criou autarquias e dinamização cultural, comprou frigoríficos e televisões, fez planeamento económico, exigiu escolas e hospitais". Enfim, resume César das Neves, "Portugal gastou". Sim, de 1974 a 1999 as despesas sociais passaram de 8,7 por cento para 26,1 por cento e os impostos de 18,6 por cento do PIB para 34 por cento. E numa e noutra coisa apenas nos aproximámos do resto da Europa. Porque, sem isso, cinco milhões de portugueses continuariam a não ter cobertura médica, a mortalidade infantil continuaria na estratosfera e o analfabetismo continuaria a condenar o País ao atraso. Sim, compraram-se frigoríficos e televisões, coisas banais em qualquer país europeu. Sim, exigiram-se e construíram-se escolas e hospitais. Não foi falta de ponderação. Foi o que fez Portugal dar um dos mais rápidos e extraordinários saltos sociais e económicos na Europa, que qualquer estrangeiro que tenha cá vindo antes e depois notava com espanto e admiração. Foi o que nos permitiu consolidar a democracia e entrar na CEE. Foi das coisas mais ponderadas e inteligentes que fizemos. Note-se que aqui não discuto o que até é mais do que discutível: se esta crise resulta deste suposto despesismo. O assunto é estafado e já o tratei várias vezes. Fico-me apenas pelo pacato. Pelo trabalhador. Pelo poupado. Pelo prudente. Fico-me por esta narrativa (a palavra ainda se pode usar?), que corresponde a uma reescrita da história. Que a César das Neves dê jeito, não espanta. Não fosse ele a caricatura risível de uma direita que já não se espera encontrar por aí. Apenas incomoda que haja tantos portugueses que achem mesmo que fomos imprudentes. Que não atribuam a essa suposta imprudência os anos de vida que vivem, o tempo de descanso que têm na velhice, os filhos na escola, os bebés nas maternidades, a reforma, as férias. E essas coisas pouco pacatas que são a liberdade e a democracia. A "imprudência" de construir um País que não seja um buraco de miseráveis é a única coisa que nos permite falar da pequenez das reformas de quem nunca descontou, porque era suposto trabalhar até morrer. Que nos permite falar dos problemas da escola pública, porque ela já não se fica, para a maioria, pela quarta classe. Que permite que, para muitas portuguesas, parir um filho não seja um jogo de sorte e azar. Que nos permite ver um neto de um analfabeto com curso superior. E estarmos preocupados porque emigra. Desta vez não é a salto, não é para viver num bidonville, não é para ser porteira e trolha. Não é porque "os patrões, franceses ou alemães, suíços ou americanos, gostam dele por ser pacato e trabalhador, poupado e prudente". É porque tem formação. É porque cresceu num País que mudou e que passou, como tantas outras coisas, ao lado de César das Neves. Se é imprudente tudo o que, como povo, exigimos e fizemos nos últimos 39 anos, talvez seja disso mesmo que estamos a precisar. Talvez a ideia de que o que conquistámos nunca estaria em risco nos tenha tornado demasiado pacatos. Ao ponto de aceitarmos, sem uma pinga de indignação, que nos digam que devíamos ser como "os nossos avós": resignados, obedientes e pobres.» Daniel Oliveira
Posted on: Wed, 11 Sep 2013 10:42:08 +0000

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