Pesquisando e preparando minha aula da EBD sobre "As influências - TopicsExpress



          

Pesquisando e preparando minha aula da EBD sobre "As influências dos meios de comunicação", achei esse texto; é muito interessante. AS CAUSAS PERDIDAS Paulo Brabo, 17 de setembro de 2013 Não é só a onipresença da distração que contribui para o entorpecimento dos músculos sociais. A sociedade conectada funciona de tal modo que notícias absolutamente relevantes ficam ocultas ao ar livre, à vista de todos, inteiramente perdidas… entre outras notícias relevantes. Também nesse caso a hiperestimulação contribui para a inércia em vez de para a mobilização. Não houve outra época em que tanta informação fundamental a respeito do funcionamento das coisas fosse acessível a tanta gente. E não falo da wikipédia, mas de conhecimentos específicos de aplicação imediata e estratégica. Fatos, relatórios e análises de tendências que há vinte anos seriam conhecidos e examinados por um punhado de analistas fechados em suas agências de inteligência hoje são publicados no seu site de notícias ao lado da previsão do tempo e de uma receita de cuscuz. Se nunca tanta informação crucial sobre os destinos políticos e econômicos do planeta foi conhecida por tanta gente, por que as más notícias não tendem a se autocorrigir? Por que, diante de revelações que nos atingem e nos dizem respeito, simplesmente não fazemos alguma coisa? Parte do problema está precisamente na superabundância: as revelações portentosas se multiplicam e se acumulam ao ponto da irrelevância e da paralisia. Um analista de inteligência, pago pelo governo, teria tempo para examinar cada informação, para verificar sua credibilidade, determinar se o fato novo ameaça aquilo que você quer proteger, encontrar padrões e tendências nos dados globais disponíveis e estabelecer se necessário estratégias de defesa e de mobilização de recursos. O cidadão comum mal tem tempo para pasmar. Entre recolher a louça do café e postar as fotos da festa do sábado, você fica em dúvida sobre qual notícia deve sublinhar: que no mundo todo as abelhas estão desaparecendo, que qualquer um pode interceptar e ler as mensagens de e-mail que você pensava que eram confidenciais, que conglomerados farmacêuticos estão boicotando as pesquisas para que novos tratamentos não tornem seus remédios desnecessários, que o Brasil permanece entre as 10 nações do mundo com maior desigualdade na distribuição de renda, que determinado país está esperando a aprovação dessa lista de países para bombardear aquele outro país com tal justificativa. Escolha a catástrofe. Mas seja rápido, porque recarreguei a página e as notícias são já outras. Quero ser o primeiro a lhe dar boas vindas à Era da Perplexidade, caracterizada pelo duplo peso de [1] termos acesso a tanta informação crucial [2] cujo desenrolar não temos aparentemente qualquer possibilidade de mudar. A que tipo de causa você, cidadão exemplar e gente boa, sente que deve dar prioridade: as locais, as nacionais ou as globais? Por quais omissões seremos julgados pelos tribunais do futuro, e em cada caso o que é possível fazer? É moralmente acertado investir recursos numa crise de importância vital mas cujo rumo será praticamente impossível alterar, quando há causas menores mas emergentes ao alcance da mão? Não faz diferença, porque perdemos a habilidade de crer que faz diferença. Na Era da Perplexidade todas as causas são perdidas: não só porque parece não haver para elas esperança, mas porque há tantas causas concomitantes que acabam diluindo umas as outras, anulando-se mutuamente na competição. Um dos curiosos resultados desse estado de coisas é que ninguém mais sabe exatamente (quando acontece) por que está “indo às ruas” em mobilização social. Historicamente, a eficácia de revoltas e passeatas baseou-se em uns poucos fatores: [1] no peso de categorias (exemplificado pelas greves: quando determinadas categorias cruzam os braços, nada funciona); [2] na ameaça do golpe puro e simples, em que um governo é substituído à força por outro de maior apelo popular; [3] no peso político de uma demanda popular muito definida (como na mobilização pelas eleições diretas na década de 1980). A sociedade tecnológica drenou a seiva dessas persuasões. Numa economia global a competição (entre nações e indivíduos) atenuou profundamente a força de convencimento de todas as greves. A desconfiança generalizada diante das ideologias tornou uma derrubada popular do governo coisa muito improvável; desiludidos que somos, ninguém ignora que o novo sistema encontrará ocasião de mostrar-se corrupto e ineficaz (ao menos) como o anterior. Finalmente, embora todos concordem que “o problema” existe, numa sociedade global a complexidade da malha social e econômica é tão grande que ninguém saberia reduzir a desejada resolução a uma lista coerente de demandas. Todos sentem-se compelidos a exigir e estimular a mudança, mas aparentemente ninguém concorda a respeito do que deve mudar. Você, caro leitor: qual causa meritória o levou (ou o levaria) a tomar as ruas em manifestação? Qual é o seu grito? Por maiores salários para os professores? Por mais policiamento nas ruas? Por um Estado mais enxuto? Por um sistema de saúde mais eficiente? Por um sistema viário mais eficaz e seguro? Pela preservação do meio ambiente? Por menos corrupção? Pela eliminação da miséria? Pela redução da emissão de CO²? Por maior privacidade nas comunicações eletrônicas? Por subsídios para a agricultura? Pela demarcação das terras indígenas? Por uma carga de impostos menor? Por justiça social? Pela democratização do acesso à internet? Por tarifas de transporte mais acessíveis? Por um Estado menos assistencialista? Quantas dessas demandas endossaria o sujeito que está ao seu lado na mesma manifestação? Ainda melhor: quantas dessas demandas contradizem umas às outras1? Não tenho televisão, mas esta semana três notícias encontraram modo de competir pela minha atenção: [1] o julgamento de políticos corruptos de alto escalão no Brasil, [2] a iminência do ataque da Síria pelos Estados Unidos e [3] a revelação de que a Agência Nacional de Segurança norte-americana usa certificados de segurança falsificados para disfarçar-se de servidor da Google, de modo a colher diretamente, de usuários dos serviços da companhia (e quem não usa o Google que atire o primeiro iPhone), as informações que quiser. A primeira é antes de tudo circo, mas a segunda e a terceira notícias me parecem especialmente repletas de consequências – e são precisamente essas duas, claro, aquelas a respeito das quais sinto que não posso fazer absolutamente nada. Quem quer ir comigo às ruas para evitar uma guerra do outro lado do mundo, ou pedir que a potência americana abra mão da ferramenta de espionagem mais completa e conveniente do planeta em favor da minha paz de espírito? Quem quer se iludir comigo de que manifestar-se vai mudar alguma coisa? Completa-se desse modo o círculo da apatia: nenhum escândalo precisa ser ocultado se todos estão convictos de que não há nada a se fazer a respeito. É a impotência através da informação; é desfigurante, mas já nos derrubou a todos.
Posted on: Sun, 06 Oct 2013 03:31:42 +0000

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