Plebiscito e Referendo: decisões políticas tomadas pelo povo O - TopicsExpress



          

Plebiscito e Referendo: decisões políticas tomadas pelo povo O arranjo institucional brasileiro favorece, na realidade, uma prática política que os estudiosos denominam de democracia indireta: apesar de o povo escolher seus representantes por meio de eleições diretas, digitando os números de seus candidatos periodicamente nas urnas eletrônicas, são estes representantes eleitos – e não a totalidade dos cidadãos – aqueles que devem elaborar as “leis”, tomar decisões político-administrativas e gerir o Estado. A legislação constitucional brasileira, entretanto, coloca à disposição do jogo político democrático mecanismos que permitem aos cidadãos participar ativa e diretamente da gestão da coisa pública, inclusive mediante desempenho de papel na elaboração e aprovação ou rejeição de “leis”. É o que se passa na chamada “iniciativa legislativa popular” e nos chamados “plebiscito” e “referendo”. Iniciativa legislativa popular A figura da “iniciativa popular” confere a possibilidade de que cidadãos brasileiros não ocupantes de cargos eletivos, isto é, de que o próprio povo venha a apresentar projetos de lei que deverão ser apreciados e votados pelo Congresso Nacional, desde que seja recolhido determinado número de assinaturas, distribuídas entre eleitores de diferentes estados da federação. “Guia” específico é dedicado a este tema, em outra postagem, aqui no Direito Direto. Referendo e Plebiscito como formas de consulta popular Já o “referendo” e o “plebiscito” são formas de consulta popular. Os governantes podem se valer destes mecanismos para consultar a população acerca de uma “lei” ou de uma “decisão administrativa”: oferece-se ao povo a possibilidade de manifestar concretamente posição sobre determinadas decisões político-governamentais. No referendo e no plebiscito o povo decide sobre decisões políticas que os “governantes” (representantes) já tomaram ou pretendem tomar. Na medida em que se trata de decisões que o povo pode/deve tomar, mostra-se relevante oferecer informações que possibilitem que as concretas escolhas sejam realizadas num cenário em que os sujeitos – cidadãos brasileiros – estejam em condições de compreender as consequências e os significados de sua decisão: o que são plebiscitos e referendos e como funcionam? Quais as diferenças mais marcantes entre “plebiscito” e “referendo”? A principal diferença normativa entre “plebiscito” e “referendo” é simples. O referendo deve ser realizado nas hipóteses em que uma “lei” ou “ato administrativo” já foram emanados, isto é, já estão prontos, sendo a população convocada apenas para dizer se os aprova ou não. O referendo se realiza, portanto, posteriormente à concreta tomada de uma decisão política pelos governantes, isto é, depois da emanação de lei ou ato administrativo, sobre os quais o povo é chamado a se manifestar. O plebiscito, por sua vez, deve ser realizado antes da elaboração e aprovação da “lei” ou “ato administrativo”: se a população consentir com o tratamento legislativo ou administrativo de determinada questão/problema, só então deverão os poderes públicos constituídos elaborar as diretrizes normativas (leis, decretos, portais…) pertinentes. Plebiscito Referendo Consulta que acontece antes do ato do Poder Publico (legislativo ou administrativo). Consulta que acontece após a prática do ato do Poder Público (legislativo ou administrativo). Tem por finalidade aprovação ou reprovação do ato que se pretende tomar (a possibilidade da prática do ato é tema da consulta). Tem por finalidade a confirmação ou a rejeição do ato. Quem pode convocar “plebiscitos” e “referendos”? Embora sejam mecanismos imaginados como de “democracia direta”, somente os membros do “Poder Legislativo” podem convocá-los. No âmbito federal (de todo o país), isso significa que só a Câmara dos Deputados ou o Senado Federal podem propor um plebiscito ou referendo, o que deverá ser feito mediante decreto legislativo nas questões de competência do Executivo, Legislativo ou de matérias de relevância nacional, bem como naquelas reguladas pelo artigo 18, § 3 º do documento constitucional de 1988, desde que um terço dos membros de uma Casa Legislativa ou de outra assinem a proposta correspondente. O Congresso Nacional (composto pela Câmara e pelo Senado) detém competência constitucional exclusiva para autorizar e convocar plebiscitos. Se o plebiscito versar sobre a criação, a incorporação, a fusão ou o desmembramento de Municípios, previstos no artigo 18, § 4º do documento constitucional, deverá ser convocado pela Assembléia Legislativa Estadual correspondente. Nas questões de competência de Estados, Distrito Federal e Municípios, a convocação deverá ser realizada nos termos dos documentos constitucionais ou das leis orgânicas municipais correspondentes. Dessa forma, tem-se ainda, no Brasil, um completo bloqueio dos objetivos ideais desses institutos democráticos (proporcionar a participação direta da população na vivência política), uma vez que seus mecanismos de funcionamento os colocam na dependência de proposta de uma Casa Legislativa, isto é, de um poder público constituído. Ora, se o objetivo do plebiscito e do referendo é permitir o exercício direto do poder pelo povo, conforme interpretação possível do chamado “princípio da soberania popular” inscrito no artigo 1º, Parágrafo Único do documento constitucional de 1988, chamado por muitos de “Constituição Cidadã”, por quais razões esta participação popular deveria ficar ainda dependente da iniciativa de representantes políticos já eleitos, ou seja, de órgãos que exercem poder de forma delegada, representando apenas indiretamente – e na prática somente muito raramente – a vontade popular (se é que se pode falar em algo assim numa sociedade tão heterogênea quanto a Brasileira)? Esses institutos com esse funcionamento só podem ser vistos como pertencentes a uma democracia direta às avessas: é como se a realização de eleições, outro momento em que a soberania popular é exercida diretamente, também dependesse de manifestação concreta da vontade e dos interesses dos membros do Senado ou da Câmara (ou das respectivas assembleias legislativas estaduais e câmaras municipais). “Autoconvocação” de plebiscitos e referendos Com base em constatações semelhantes, foi proposta pela Comissão de Legislação Participativa da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 4.718/2004, elaborado pelo jurista Fábio Konder Comparato, que tem por objetivo substituir a atual lei sobre plebiscito, referendo e iniciativa popular (a lei 9709 de 1998). Segundo este projeto de lei, plebiscito e referendo poderiam ser convocados ou por um terço do Senado ou da Câmara (como é atualmente) ou por um por cento (1%) do eleitorado brasileiro, distribuído por pelo menos cinco estados, reunindo-se no mínimo três décimos por cento (0,3%) de eleitores em cada um deles. Além disso, em casos de decisões sobre bens pertencentes ao povo, como bens públicos de uso comum (rios, praias, praças, avenidas) ou especial (teatros, biliotecas, museus, repartições públicas) ou sobre venda de jazidas ou de locais com potencial para a construção de usinas hidráulicas, a convocação de consulta popular – plebiscito – seria obrigatória. A nova lei, como se vê, poderia contribuir efetivamente para a realização de fato de uma prática de democracia direta, redesenhando os mecanismos brasileiros de consulta popular, que hoje servem, quando muito, para legitimar uma “democracia” ilusória, da qual a população continua excluída, nos aspectos essenciais. Redesenhando-se o funcionamento do plebiscito e do referendo nos termos do projeto de lei mencionado, seriam oferecidas ao povo oportunidades de participar mais ativamente da definição das pautas políticas, sem ficar refém da representação por partes dos senadores, deputados (federais e estaduais) e vereadores eleitos. A proposta redigida por Comparato permanece, contudo, sem ser discutida pela Câmara dos Deputados desde a data de sua apresentação no dia 22/12/2004: há oito anos. Para acessar o projeto de lei 4.718/2004, clique aqui Quem pode, em tese, participar de plebiscitos e referendos? O plebiscito e o referendo são realizados por meio de eleição, sendo, portanto, todo brasileiro com título de eleitor válido apto a votar no caso de realização destas formas de consulta popular. Quem deve participar concretamente de cada referendo ou plebiscito? Segundo interpretação possível da legislação brasileira, deve participar do plebiscito e do referendo a população diretamente interessada no assunto tratado, isto é, a população potencialmente afetada pelas consequências da tomada de decisão em questão (do ato legislativo ou administrativo objeto da consulta popular). A determinação concreta da população diretamente interessada não raro gera dúvidas, de modo que dificilmente se poderão determinar critérios abstratos para a sua identificação a cada caso. Plebiscitos e referendos de abrangência nacional no Brasil pós-88 Desde 1988, quando foi promulgado o atual documento constitucional, o povo brasileiro vivenciou quatro processos democráticos envolvendo plebiscitos ou referendos de abrangência nacional, isto é, nos quais poderia/deveria participar a totalidade dos eleitores brasileiros. Em 1993, realizou-se um plebiscito para que a população pudesse escolher a forma (Monarquia ou República) e o sistema (Parlamentarismo ou Presidencialismo) de Governo do Brasil: votou-se majoritariamente pelo presidencialismo republicano. Em 2005, realizou-se o referendo sobre a proibição da comercialização de armas de fogos e munições no Brasil. Na ocasião, se a maioria dos eleitores tivesse respondido “sim” à pergunta colocada (“O comércio de armas de fogo e munição deve ser proibido no Brasil?”), deveria entrar em vigor o já elaborado artigo 35 do Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/03). O resultado final revelou 64% de eleitores que optaram pelo “não”. Em 2010, foi realizado, somente no estado do Acre, referendo acerca do fuso horário a ser adotado naquele estado. À época, juntamente com a eleição de segundo turno para presidente, a população local decidiu por voltar ao fuso de duas horas a menos em relação à Brasília, rejeitando, assim, a legislação então em prática, que determinava que o horário local marcasse apenas uma hora a menos em relação à capital federal. Por fim, em 2011, realizou-se no Pará um plebiscito acerca da divisão do Estado em três: Pará, Tapajós e Carajás. O eleitor paraense respondeu então a duas perguntas: “Você é a favor da divisão do Estado do Pará para a criação do estado do Carajás?” e “Você é a favor da divisão do Estado do Pará para a criação do estado do Tapajós?”. O “não” triunfou nas duas quesões, com mais de 65% dos votos. Foi bastante discutido, nesta situação, que grupo de cidadãos constituiria a população diretamente interessada para efeitos de votação: na prática, tratava-se de discutir quem efetivamente poderia/deveria participar do plebiscito, na condição de votante. Neste caso, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que por “população diretamente interessada” deve-se compreender “a população de todo o Estado a ser ‘transformado’” e não somente a população da área a ser desmembrada: votaram, assim, tanto a população que habitava a faixa de terra que constituiria eventualmente os futuros estados de Tapajós e Carajás (áreas a serem desmembradas), quanto a população da área que continuaria sendo o Pará (área remanescente). Muitos, porém, defenderam – e entre eles o próprio ministro do STF Marco Aurélio de Mello em um voto sobre a questão – que a população diretamente interessada neste caso seria toda a população brasileira. Isso porque o Governo Federal é obrigado a repassar dinheiro aos estados, por meio do Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal. Com a criação de dois novos estados, o dinheiro repassado continuaria sendo o mesmo, mas seria dividido entre mais Estados, o que significaria menos dinheiro repassado para cada um dos estados membros. Além disso, cada estado elege para o Senado Federal três senadores e um mínimo de oito deputados federais. A criação de novos estados membros alteraria as relações de poder de todo o país e não apenas do estado a ser “transformado”. Fontes: Ação Direta de Inconstitucionalidade 2650 (ADI 2650) Constituição Federal 1988 Lei 9709/96 Lei 10.826/2003 Projeto de Lei 4.718/2004 Equipe Direito Direto.
Posted on: Tue, 02 Jul 2013 10:15:20 +0000

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