Por que não sou anarquista e sou contra golpe de estado, fechamento de congresso, erradicação de partidos e contra qualquer pureza religiosa, moral, racial e política: Fui educado na tradição luterana, que distingue o momento histórico do que o transcende. Isso foi interpretado de muitas maneiras, até da forma que política (a espada, o governo terreno) não teria a ver com a fé (a palavra, a esperança, o consolo, o inaudito). Sou de uma geração teológica no Brasil que procurou superar uma interpretação dessa noção no sentido de que fé e realidade concreta nada tinham a ver. No entanto, esse esforço não invalida, para mim, a importância dessa tradição. Uma coisa é a realidade, outra a esperança. Quando se quer, com palavras de ordem genéricas (como nas manifestações atuais), dizer que a esperança deve virar realidade sem considerar as condições dessa realidade, mistura-se duas dimensões que não são igualáveis. Por outro lado, expressões políticas de esperança utópica são um testemunho genuíno de que a fé existe, mesmo que não seja expressa em forma religiosa. Por isso, valorizo muito a expressão de esperança, mudança, justiça que se vê nas ruas. Ninguém deve apagar essa chama genuína de fé, de auto-entrega e de auto-descobrimento. Ao mesmo tempo, todas essas são expressões humanas da fé, como são todas as outras que às vezes se pretendem puramente religiosas. Não existe fé pura, só existe fé humana, aqui na terra. Não existe reino divino aqui. Não existe luz direta que nos ilumina, superando nossa humanidade. Existe só nosso anseio. Por isso, não há justiça pura, não há governo puro, não há política pura, não há mundo sem injustiça, não há concreticidade sem negociação ou sem composição. Por isso não sou anarquista e sou contra golpe de estado, fechamento de congresso, erradicação de partidos. Não há como ir além do que somos. Há só como pela força da nossa esperança lutarmos para que nossa esperança (ou utopia) se concretize da melhor forma possível. Nunca seremos puros. Nunca haverá polítcos puros. Não há príncipes puros. Só um é senhor puro, e esse nós não alcançamos, nem pela razão, nem pelo voto, talvez pelo sonho e pela esperança. Por menos puro que eu seja, pelo menos acho que sou um seguidor bastante fiel da tradição teológica luterana a esse respeito.
Posted on: Sun, 23 Jun 2013 04:59:40 +0000
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