Por que vamos protestar no Domingo? Raízes da privatização do - TopicsExpress



          

Por que vamos protestar no Domingo? Raízes da privatização do Maracanã e do Pacaembu Um sentimento de tristeza invade aqueles que se preocupam com os destinos de nosso futebol. Talvez uma das primeiras medidas que virá seja a mudança do nome dos locais, para oferecer a contrapartida de imagem para alguma megacorporação. Paulo Kliass Enviar ! Imprimir ! Ao longo das últimas décadas a sociedade tem experimentado um processo crescente de generalização dos movimentos de mercantilização. Tudo - literalmente tudo - deve acabar se transformando em mercadoria. E essa tendência vai desde os serviços públicos até as relações pessoais, passando por um sem número de aspectos de nossa vida em sociedade. Cada vez se torna mais extenso o rol das relações que passam a ter o seu custo calculado, o seu preço determinado e as suas condições de transação estipuladas. Vivemos em um mundo onde cada gesto parece fazer parte de um contrato onipotente, com um conjunto de regras a serem bem observadas. Em geral, discorrendo sobre custos e benefícios. A generalização das formas capitalistas de organização da sociedade amplia os horizontes de acumulação. Do ponto de vista geográfico, a globalização se encarrega de incorporar novas áreas, países e regiões ao padrão hegemônico da economia dos tempos de hoje. Do ponto de vista estrutural e institucional, cada vez mais formas de sociabilidade são transformadas em espaços de produção e de acumulação de capital. Isso vale, por exemplo, para atividades culturais, uma vez que para a maioria dos indivíduos resta apenas a postura do consumidor a pagar por um espetáculo de música, a comprar livros como produtos baixados da internet, adquirir os ingressos para a sessão de cinema ou pagar pelos tíquetes de acesso ao museu. O mesmo raciocínio se aplica às atividades de lazer, pois a tendência agora é de se pagar para usufruir de espaços como parques públicos, jardins zoológicos, jardins botânicos e similares. As atividades esportivas, sejam elas como praticante ou como espectador, tampouco escapam à lógica mercantil e tudo passa a ser determinado por critérios como renda, preço, demanda e oferta. Paga-se tanto a mensalidade da academia de ginástica quanto a do canal de esportes da TV a cabo. Mercantilização e futebol Para um país com as características como a do Brasil, o futebol termina por se converter em elemento de sincretismo dessas 3 características: i) esportiva; ii) cultural; e iii) de lazer. E o processo de mercantilização passa a dominar o conjunto das relações no âmbito do universo dessa modalidade, que veio importada da Inglaterra, saudado pelos antigos radialistas como o “esporte bretão”. Pode-se afirmar que o futebol é um retrato bastante adequado da realidade social e econômica de nosso país. Ele escancara os abissais desníveis de renda entre indivíduos e grupos sociais realizando o mesmo tipo de tarefa. Sob o falso manto do discurso a respeito da “igualdade de oportunidades”, fica evidente que apenas uma fração mínima dos meninos e jovens de talento futebolístico consegue construir uma carreira profissional. E nessa busca de trajetos exitosos, os ganhos ficam quase todos retidos nas mãos de atravessadores e aproveitadores. A mercantilização no interior do mundo futebolístico é uma constante. A começar pelo próprio ator fundamental - figura sem a qual nada pode ocorrer - o jogador. Eles são “comprados” ou “vendidos” como simples mercadorias, cujos preços são cotados em mercados de esfera nacional ou internacional. Assim, a cada semana são quebrados recordes e mais recordes a respeito dos valores milionários envolvendo as negociações dos contratos dos jogadores – expressos em dólares, em euros, em ienes ou em reais, se a compra-venda ocorrer entre clubes brasileiros. Procedimento semelhante ocorre nas transações envolvendo os passes dos treinadores das equipes, que também perambulam pelos continentes em busca de maior remuneração e reconhecimento. O mundo futebolístico e os recursos milionários Ora, um setor que movimenta recursos dessa monta só se viabiliza com a existência de fontes de financiamento e de fornecimento de fluxos de dinheiro para manter tamanha máquina em funcionamento. As receitas provêm, em grande parte, das campanhas publicitárias e da propaganda associadas às imagens dos jogadores e dos times junto ao grande público. Há fortes indícios de que esquemas ligados às máfias globalizadas e à lavagem de dinheiro em esfera internacional estejam também fortemente envolvidos na atividade futebolística. Os valores bilionários permitem a difusão das imagens por todos os espaços dos meios de comunicação: televisão, rádio, internet, jornais impressos, revistas especializadas em esportes ou não, propaganda de rua, etc. E nesse jogo tudo é objeto de comercialização: empresas aéreas, bebidas alcoólicas, veículos, produtos eletrônicos, empresas de telefonia, artigos esportivos, cartões de crédito, refrigerantes, artigos masculinos, bancos, propaganda governamental, entre tantos outros. Quem assiste a uma emissão desse gênero pela TV fica impressionado com a capacidade criativa dos geradores de espaços para publicidade. Vale tudo! Imagens virtuais criadas por recursos tecnológicos, dando a falsa impressão de suportes para marcas conhecidas no gramado. Os corpos dos jogadores tomados por propaganda em cada milímetro quadrado da camiseta, do calção, da meia, da chuteira, quando um ou outro não termina exibindo uma camiseta agradecendo a alguma entidade divina pelo gol que acabou de marcar. Os treinadores e os integrantes da comissão técnica também são chamados a colaborar com seus uniformes. Vale lembrar, além disso, que todas as entrevistas devem ser realizadas com os indivíduos voltados de costas para painéis recheados com logotipos de todos os patrocinadores. Os árbitros também são obrigados a fazer publicidade, com renda revertida para as respectivas federações ou confederações. Até mesmo a bola é objeto de disputa intensa entre os concorrentes em busca por espaço visual. Futebol: poder, dinheiro e comunicação A ampliação do processo de mercantilização conta com forte apoio dos Estados nacionais e de seus governos, em especial aqui no Brasil. Futebol é sinônimo de poder e de dinheiro. Futebol rima com popularidade e ascendência sobre parcela expressiva da população. O coquetel para o uso político está pronto! Clubes de futebol contam incentivos de toda ordem, inclusive a isenção de impostos e da contribuição previdenciária. As contas das associações, federações e confederações esportivas em geral são sabidamente verdadeiras caixas-pretas, e os escândalos que surgem periodicamente funcionam como prova desse tipo de descontrole e foco de corrupção. Aliás, nesse quesito as entidades vinculadas ao futebol merecem destaque especial. Com todo esse esquema montado, surgem também os mecanismos de exploração da divulgação das imagens pelo veículo ainda mais utilizado: a televisão. E aqui os escândalos são ainda mais evidentes. O país onde o futebol é tão popular se permite aceitar regras em que haja monopólio de transmissão de imagens, com evidência de manipulação de horários e datas de certames para favorecer as condições de audiência da rede controladora. A coisa chega a um limite tão assustador em que a própria transmissão de jogos da seleção brasileira seja submetida a tal excrescência. Tudo se calcula com base em contratos milionários, com direitos a terceirização, sempre de acordo com o cálculo financeiro embutido. Um absurdo completo! Qualquer jogo da seleção é patrimônio da União e a obrigação do Estado é deixar a imagem aberta e livre para quem quiser transmitir! A privatização dos estádios E finalmente chegamos à cereja do bolo. Dadas as raízes de todo esse processo de mercantilização, agora vem à tona um fenômeno carregado de forte significação. Trata-se da privatização daquilo que ainda restava como resquício simbólico da presença pública no futebol brasileiro. Sua história tem uma relação profunda com o estádio que foi durante décadas - e ainda continua sendo - o símbolo desse esporte. O Maracanã foi especialmente construído para a Copa do Mundo de 1950, evento que o Brasil acolheu. Desde sempre foi um espaço quase-sagrado para todo tipo de jogos: seleção brasileira, campeonato regional e campeonato nacional. Foi concebido como um espaço público e foi mantido como instituição sob responsabilidade do Estado. Leitura semelhante pode ser feita com relação ao estádio do Pacaembu, em São Paulo. Inaugurado uma década antes que o gigante carioca, desde 1940 ele carrega na própria estrutura a marca de “estádio municipal”, pois sempre pertenceu à Prefeitura de São Paulo. Não por acaso essa tendência privatista se confirma no ano da Copa das Confederações e no que precede a Copa do Mundo. A postura de completa submissão do governo brasileiro face aos mecanismos criminosos do submundo das entidades nacionais e internacionais do futebol opera como uma espécie de chancela às falcatruas e de porteira aberta para esse jogo de vale-tudo. Ora, o governo aceitou todas as condições para trazer os eventos para cá, a ponto de enviar ao Congresso Nacional um conjunto de medidas que criavam um vácuo jurídico em nossa legislação para o período das competições organizadas pela FIFA. Entre tantos casos, registre-se a autorização excepcional de propaganda de bebida alcoólica e a mudança nas regras para meio-ingresso. Em meio a esse verdadeiro tsunami com raízes na mercantilização, os 2 estádios símbolos da história de nosso futebol serão privatizados. No caso carioca, a decisão foi por oferecer a um amigo do rei a gestão de um estádio novinho em folha, todo reformado com recursos públicos. Ou seja, a oferta de uma máquina azeitada e em condições de arrecadar receitas por décadas. Em São Paulo, a Prefeitura do PT toma iniciativa idêntica, talvez inspirada pelo sugestivo exemplo do Governador Cabral do PMDB. Um sentimento de tristeza invade aqueles que sinceramente se preocupam com os destinos de nosso futebol. Talvez uma das primeiras medidas que virá seja a mudança do nome dos locais, para oferecer a contrapartida de imagem para alguma megacorporação que participe financeiramente do empreendimento. E também a mudança do substantivo “estádio”, pois isso representaria o atraso, nos traz à lembrança décadas de presença pública na atividade esportiva. Não! Agora o símbolo da pseudomodernidade é chamar o espaço de “arena”, tal como começa a se generalizar pelo mundo afora. Termo que tão bem sintetiza tudo o que existe de mercantil, de financeiro e de espoliador no padrão empresarial do futebol contemporâneo. Paulo Kliass é Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental, carreira do governo federal e doutor em Economia pela Universidade de Paris 10.
Posted on: Fri, 28 Jun 2013 01:08:53 +0000

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