Porque é que acha que os gafanhotos sabem melhor se o cozinheiro - TopicsExpress



          

Porque é que acha que os gafanhotos sabem melhor se o cozinheiro for execrável? A dissonância cognitiva Leia, primeiro, este resumo de uma experiência e depois responda à pergunta… Em 1962, houve uma intervenção musculada da polícia num campus de uma universidade americana. Este gesto foi condenado por todos os estudantes da faculdade. Um investigador (chamado Cohen) aproveitou estes acontecimentos para examinar o papel da remuneração na mudança de atitude (Brehm e Cohen, 1962). Cohen conhecia a atitude negativa dos estudantes relativamente às forças da ordem, mas, sob pretexto de estudar a intervenção da polícia, pediu aos estudantes que escrevessem um texto que fosse favorável à intrusão da polícia na universidade, precisando que já dispunha de textos desfavoráveis em quantidade suficiente. Os sujeitos que aceitaram participar na experiência foram remunerados. De acordo com as condições, Cohen propôs-lhes 50 cêntimos, 1, 5 ou 10 dólares. Recolhidos os trabalhos e com o auxílio de um questionário, o investigador avaliou a atitude dos participantes sobre a intervenção da polícia. Na sua opinião, quais foram os estudantes que mostraram uma atitude mais favorável à polícia, aqueles que receberam 50 cêntimos, 1, 5 ou 10 dólares? Se respondeu 10 dólares, aplicou a teoria da aprendizagem que consiste em propor que a recompensa facilita a mudança de atitude. Infelizmente, não é o que se passa aqui. Em contrapartida, se respondeu 50 cêntimos, então bravo pois foi a resposta que os resultados revelaram: quanto menos recebiam os indivíduos, mais a sua atitude perante a intervenção da polícia no campus era favorável. Espantoso, não é? Como explicar estes resultados? Em primeiro lugar, é preciso saber que, de acordo com a teoria da dissonância cognitiva (Festinger, 1957), temos necessidade de manter relações “equilibradas” entre aquilo que pensamos e maneira segundo a qual agimos. Aspiramos a eliminar os pensamentos ou os comportamentos que são contraditórios. Por exemplo, se sou ecologista, não deito pilhas eléctricas ao lixo. Se o fizesse, isso criaria um estado de tensão psicológica desagradável, um estado de “dissonância” entre a minha atitude ecologista e o meu comportamento. Uma forma de restabelecer o equilíbrio consiste em mobilizar as ideias (cognições) que justificam o meu comportamento. Poderia, por exemplo, convencer-me de que, de qualquer forma, as pilhas serão encontradas no centro de triagem de lixos domésticos. Uma outra forma de diminuir a dissonância poderia ser modificar as minhas opiniões a posteriori de modo a que estas concordem com o meu comportamento: poderia pensar que, afinal, não sou assim tão ecológico como imaginava… Foi segundo este último princípio que reagiram os estudantes de Cohen. Escrever um arrazoado que vai de encontro às suas convicções pode justificar-se pelo facto de terem recebido um boa somazinha de dinheiro para cumprirem essa tarefa. Por consequência, não têm razões para mudar de opinião quanto à intervenção da polícia. Em contrapartida, os sujeitos que aceitaram participar na experiência por uma quantia de dinheiro fraca estão em estado de dissonância. Com efeito, como conciliar o facto de ser contra a intervenção da polícia e a aceitação de escrever um texto a seu favor. Não é de certeza por causa de uns miseráveis 50 cêntimos… O único meio para eles reduzirem a dissonância é, então, mudar de opinião no que respeita à intervenção. O estudo da dissonância cognitiva deu lugar a todos os tipos de experiências, incluindo as mais insólitas… Em 1965, Zimbardo e os seus colegas convidaram uns soldados americanos a comer gafanhotos grelhados, com o pretexto de testar alimentos novos. Numa condição, o experimentador que formulava o pedido era simpático, cumprimentava o participante de modo caloroso, parecia sensível às suas necessidades e era muito atencioso para com o seu adjunto (um cúmplice). Numa outra condição, o investigador era antipático, grosseiro e repreendia sistematicamente o seu assistente. Uma vez consumidos os deliciosos animalescos, os investigadores avaliaram os gostos dos militares quanto a esta iguaria. Os soldados da condição na qual o investigador se mostrou simpático acharam os gafanhotos mais saborosos do que os soldados da outra condição. Aqueles que tiveram um experimentador amável tinham uma boa razão para se terem convertido ao jogo: agradar a um investigador simpático. Mas como justificar o facto de se ter ingerido insectos quando o investigador era desagradável? A solução consistia em racionalizar o acto, mudando a posteriori a atitude face aos gafanhotos… Registemos que, em todas estas experiências, é essencial que o sujeito se sinta livre para aceitar participar de boa vontade. No caso em que fosse constrangido a cometer o acto, o sujeito não mais estaria em estado de dissonância, pois teria uma explicação para o seu comportamento: aceitou participar porque foi forçado a isso. 1 – Justificar o esforço A teoria de Festinger prediz que se empregou muitos esforços para atingir um objectivo e o resultado é negligenciável, vai encontrar-se num estado de dissonância cognitiva que terá de reduzir. Por exemplo, se após uma semana de dieta alimentar não tiver perdido um único grama, poderá dizer que, apesar de tudo, se sente melhor. Também poderá mentir a si próprio, sustentando que estava mais gordo no início da semana. É o que mostra a experiência seguinte. Conway e Ross (1984) propuseram a uns estudantes que se inscrevessem livremente num programa que visava melhorar a sua eficácia no trabalho (tomada de notas, estudo, etc.). Na realidade, tratava-se de um programa que não tinha qualquer eficácia. Evidentemente que os estudantes ignoravam este dado antes da inscrição. Antes de começar, os sujeitos tinham, em primeiro lugar, de avaliar as suas próprias competências. Como o programa era “fictício”, não foi constatada qualquer diferença no que respeita aos desempenhos escolares reais entre os estudantes que tinham seguido o programa e os do grupo de controlo que não o tinham seguido, sendo os desempenhos os mesmos para os dois grupos antes e depois do programa. No entanto, quando se pediu aos estudantes que avaliassem o programa, estes acharam-no muito performante, mas, sobretudo, quando se lhes pediu que recordassem as suas atitudes anteriores, subestimaram-nas e acharam que estavam agora muito melhores do que antes do programa… Esta memória selectiva permitia-lhes justificar os esforços consentidos para um objectivo não atingido. Mas a história não acaba aqui. Vários meses mais tarde, o experimentador voltou a estar com os estudantes para lhes pedir as notas de fim do ano lectivo. Constatou, então, que aqueles que tinham seguido o programa lhe atribuíram notas mais altas do que na realidade eram. Não foi o que aconteceu com o grupo de controlo… 2 – Trivializar Uma forma de reduzir a dissonância quando nos apercebemos de que acabámos de cometer um acto que tem implicações negativas de que não tínhamos suspeitado antes é “trivializar”. Consiste em minimizar a importância do acto cometido (Simon, Greenberg e Brehm, 1995). Imagine que o seu cônjuge o reprova por ter tido um comportamento excessivo quando repreendeu a sua filha depois que depois vai para o quarto chorar. Poderia trivializar da seguinte maneira: “Também não é assim tão mau, só lhe pedi que se esforçasse mais, ela acaba por se acalmar…”. Procurará diminuir a importância do comportamento problemático de modo a reduzir a dissonância entre os seus sentimentos de amor para com a sua filha e o facto de tê-la feito sofrer. Conclusão A redução da dissonância arrisca-se por vezes a levar-nos a preservar o erro em vez de reconhecermos que nos enganámos. Temos tendência para nos justificarmos, mesmo que, no fundo de nós próprios, tenhamos o sentimento difuso de que nos enganámos ou de que fomos enganados. É preciso prosseguir a qualquer preço para não tornar vãos, em tempo e dinheiro, os sacrifícios dispendidos. Teríamos, todavia, tudo a ganhar se mudássemos de rumo. Infelizmente, “racionalizamos” frequentemente em acto, acrescentando um comportamento que vai no sentido do comportamento inicial, de forma a reduzir a dissonância. Podemos, desta forma, justificar o carácter racional da nossa primeira decisão…, e é a escalada. Para terminar, se depois de uma compra, se põe a lamentar a sua escolha e a pensar: “será que tinha mesmo necessidade de dar 2 500 euros por esta máquina de filmar de vídeo quando existem no mercado a 800 euros?” Não se preocupe demasiado; o mecanismo de redução da dissonância fará rapidamente o seu trabalho de forma a reduzir a sua tensão interna. Encontrará, então, todo o tipo de justificações que confirmarão que fez a melhor escolha… Não foi, aliás, o que lhe disse o vendedor? Para saber mais acerca do assunto Brehm J., Cohen A. (1962). Explorations in Cognitive Dissonance, New York, Wiley. Conway M., Ross M. (1984). “Getting what You Want by Revising what You Had”, Journal of Personality and Social Psychology, 47, 738-748. Simon L., Greenberg J., Brehm J. (1995). “Trivialization: The Forgotten Mode of Dissonance Reduction”, Journal of Personality and Social Psychology, 68, (2), 247-260. Zimbardo P. G., Weisenberg M., Firestone I., Levy B. (1965). “Communicator Effectiveness in Producing Public Conformity and Private Attitude Change”, Journal of Personality, 33, 233-255. Serge Ciccotti 150 Pequenas experiências de psicologia para compreendermos melhor os nossos semelhantes
Posted on: Sun, 15 Sep 2013 09:48:45 +0000

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