Produto Depois da euforia do desfile onde fizera muito sucesso, - TopicsExpress



          

Produto Depois da euforia do desfile onde fizera muito sucesso, ela desabou. Nunca, em toda a sua vida, sentiu tanta solidão como naquele instante, tanta dor no corpo e na alma. Tudo era cortante, tudo era dolorido. Ele vencera para os outros, mas para si sobrara apenas cacos, apenas pedaços difíceis ou mesmo impossíveis de se juntar. Decidira ser modelo. Saiu muito cedo de casa. Estudou pouco e correu atrás de seus objetivos. Deixou família e conhecidos de lado. Conquistou um monte de inimigos na carreira. Queria ser top model mesmo que fosse a última coisa que fizesse antes de morrer. Ela conseguiu. Começaram a surgir trabalhos como jamais imaginou. Posava, desfilava, ganhava dinheiro lançando coleções e não via a vida passar. Viajava o mundo como quem vai até a esquina. Acordava, por vezes sem saber onde estava, em qual país havia amanhecido ou anoitecido. O corpo não suportava mais e ela buscou refúgios químicos. Foi apresentada às drogas com a promessa de não sentir cansaço. O cansaço sumiu, mas passou a não sentir o corpo inteiro. Era algo manipulável, uma máquina com pernas e braços. Os ossos foram ficando quase à mostra, mas ela não sucumbia. Tinha sua química que resolvia todos os seus problemas. Fora do país, ela recebeu um telefonema. Ninguém lhe passava telefonema algum e aquele fora uma exceção. A mãe morrera. Ataque cardíaco fulminante. Ela nada sentiu. Estava amortecida. Ninguém tocou no assunto. Ela era um produto valioso e a indústria precisava vender. Naquela noite, foi ao hotel e precisou se drogar muito mais do que as outras vezes para dormir. Apagou. Desmaiou. Acordou com alguém lhe chamando e lhe puxando com força. Era noite outra vez e ela precisava desfilar, vende os produtos. Ela precisava bater recordes de vendas. Tudo era capital. Sairia consagrada dali. Era o evento mais importante para a moda mundial. Ela tinha obrigação de brilhar e de fazer dinheiro. Nada comeu. Há muito que não comia. Tinha sua química e isto lhe bastava. Os ossos estavam sobressalentes em seu corpo. Vestiram as roupas que ela precisava mostrar e a mandaram para a passarela. Ela foi como sempre ia e, de forma maquinal, passeou sob o brilho dos flashes e das luzes cinematográficas. Voltou e uma equipe já estava preparada para vesti-la com outras roupas. Depois de ajustes feitos às pressas e de múltiplas espetadas de alfinetes, deram-na por pronta. Ela desfilaria de novo. Como que em um estalo, sentiu a falta da química no corpo. As dores, todas, chegaram como uma avalanche. Ela gritou, mas não teve jeito. Fora empurrada para seu lugar, a passarela. Ela não resistia mais de tanta dor e precisava da droga, mas relutou, rangeu os dentes e seguiu. Fez o que tinha que fazer e voltou. As dores amainaram um pouco e lhe disseram que sua tarefa por aquela noite estava encerrada. Pela primeira vez, ela sentiu cansaço. Andou como um robô rumo ao camarim onde várias outras moças se vestiam e sentou-se em uma cadeira. Ninguém parecia notar sua presença. Aquele era um mundo individual e o estrelismo só imperava dali para fora. Tal qual a dor no corpo, a lembrança de que havia perdido a mãe chegou como um baque. Sem drogas, ela sentiu o efeito da perda tão cru como se cortassem sua carne no vivo. Ela estremeceu e gritou um grito agudo. Ninguém correu ao seu socorro. O que queriam dela por aquela noite, já haviam conseguido. Tudo girou ao seu redor e ela sentiu o corpo tremer de convulsão. Queria a sua droga, mas ninguém dava. Rodopiou como um pião e caiu dentro de um lavabo. Bateu com a cabeça na pia e não viu mais nada daquele mundo real e dolorido. Viajou naquele sono mesclado de pesadelos. Não sabia mais quem era nem para onde ia. Uma espécie de inércia se abateu sobre ela. Ela não era ninguém, não era mais nada. Seu corpo inerte e cheio de mangueiras hospitalares estamparam as capas das revistas nos dias que se seguiram. Ela era produto de venda mesmo em coma. Naquele sono profundo, ela viu sua mãe que chegou à forma de sonho. Ela, a mãe, era todo sorriso. Parecia flutuar em sua frente. Queria segui-la, mas não podia. Sentia-se presa, como se tivesse um peso nos pés, no corpo todo. Alguém lhe tirou algo dos olhos. Ela quis gritar de dor por causa da claridade intensa que a cegava, mas não conseguiu. Estava com tubos enfiados na garganta e nariz. Viu tudo girar ao seu redor e fechou os olhos às pressas. “Ela mexeu as pálpebras”, ouviu alguém dizer. “Ela é só um vegetal. Espero que esta situação acabe o quanto antes”, falou outra voz. “Eu quero viver”, disse em pensamentos já sabendo que jamais seria ouvida. Cerrou os olhos e ouviu outros gritos de alguém na sala muito branca. “Ela mexeu os olhos. Ela está vendo e sentindo as coisas”, gritou aquela voz feminina. O ambiente ficou cheio de gente. Constataram que ela tinha mesmo aberto os olhos. O tumulto se estabeleceu e, pouco tempo depois, ela viu algo que se pareceu com um relâmpago. Ao abrir os olhos, notou sobre ela uma lente gigante. Estavam em busca de sua imagem, mesmo que esta imagem fosse de seus pedaços. Ela fechou os olhos e não queria ver mais nada. Precisava dormir e voltar a sonhar com a mãe que flutuava. Precisava de uma dose de sua droga para se esquecer de tudo. Daria tudo o que tinha ganhado para nunca ter provado sequer um pedaço daquela vida onde ela era apenas um produto sem vida. Jossan Karsten
Posted on: Tue, 27 Aug 2013 00:02:13 +0000

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