QUEM PRECISA DE PSICÓLOGO? Em mais uma das muitas consultas - TopicsExpress



          

QUEM PRECISA DE PSICÓLOGO? Em mais uma das muitas consultas médicas dos últimos meses, o médico, após examinar cuidadosamente todos os resultados dos exames, fecha o prontuário, fita-me com um meio sorriso no rosto e sentencia: “o senhor não tem nada. É só um problema psicológico”. Psicológico é o caramba! Ele diz isso porque não é ele quem sente a dor. Eu sei que o que eu sinto é real. Não é coisa da minha cabeça. Ou melhor, até termina na minha cabeça. Mas começa no estômago. Eu digo sempre a mesma coisa , mas parece que eles não me escutam: a dor começa de repente e vai subindo, como se fosse uma linha cheia de cerol fininho me cortando por dentro. Tudo bem, é uma dor que não me deixa de cama... Mas será que eu preciso ficar de cama para os médicos me levarem à sério? Quando ela me vem não consigo pensar em outra coisa, não consigo fazer nada direito. Isso pode levar horas. E o médico ainda diz que o meu problema é psicológico? Haja paciência. E como se não bastasse, saio do consultório com um encaminhamento para a psicologia. Por mim eu não ia, mas o médico mandou, então eu vou. Sou um bom paciente, obedeço. A minha parte eu faço. É melhor ir e acabar logo com essa palhaçada. Depois volto para o que realmente interessa: a minha dor. Chega o dia da consulta com o psicólogo. Meu Deus, onde eu vim parar? Sempre tive uma saúde de ferro. Só porque comecei a sentir uma dor, não quer dizer que eu sou maluco. Sim porque psicologia ou é para maluco ou é para quem não tem o que fazer. Imagina: sair de casa, pegar engarrafamento, ter que ficar ouvindo os problemas dos outros na sala de espera, para enfim ficar de conversa fiada com um doutorzinho! Para mim, o psicólogo é um frustrado, que queria ser médico, mas não passou no vestibular. Se pelo menos fosse um psiquiatra, passava um tranquilizante, um estimulante, qualquer coisa. Mas esse aí nem uma aspirina pode prescrever! Dá até pena. Ainda dizem que para se formar em psicologia é preciso ler muito. Deve ser por isso que eles tanto ficam em silêncio: de tanto frequentar bibliotecas! O que tanto leram, afinal? Freud? Por acaso ele explicaria a minha dor? Que a mãe é a culpada todo mundo sabe. Eu não preciso de uma explicação e sim de uma solução! A que ponto eu cheguei! Francamente, é só por muita necessidade. Pelo menos estou sendo atendido num hospital público e, além do tempo e da paciência, não perco dinheiro. O psicólogo me chama. Entro no consultório e vou logo falando: “o médico me mandou vir”. Foi uma tentativa de acelerar a consulta já que eu não tinha motivo para estar ali. Se este psicólogo tivesse um mínimo de competência saberia logo reconhecer isto. “O que está acontecendo com o senhor?”, ele pergunta. Começa a enrolação. Já não está escrito no prontuário? Será que tenho que contar tudo de novo? Mas sou um bom paciente, se tenho que falar, eu falo. E se é pra falar, prefiro falar direito. Conto toda a minha estória, passando pela primeira crise que tive no meio do trabalho, passando pelos inúmeros exames que fiz até o decepcionante encaminhamento para a psicologia. “Fale-me mais sobre você?”, ele pede. Segue a enrolação. Onde isso vai parar? Fui em frente. Falei do quanto eu tinha que trabalhar para sustentar os meus três filhos e dar uma condição de vida melhor para a minha família. Que praticamente não tinha tempo para mais nada, que a mulher vivia reclamando que a gente não saía mais, enquanto as crianças reclamavam que a gente não brincava mais. Que a primeira vez que eu parei depois de anos de trabalho sem férias foi por causa da maldita dor. Aí o psicólogo parece ter se lembrado de que tinha língua e resolveu falar: “Então foi por causa da sua dor que o senhor ficou em casa com a sua família? Como foi isto?”. De fato, tive que admitir um importante ganho nessa história. Tinha até me esquecido como era gostosa a gargalhada das crianças. E da última conversa com a minha mulher sobre qualquer assunto não obrigatório. É estranho, mas a dor me trouxe antigas alegrias. E me dei conta que enquanto eu estive com eles, nada doeu. Quando acabei de falar sobre isto, o psicólogo nada falou, mas ficou me olhando como se falasse: “viu, só?”. “Eu não tenho problema psicológico!”, respondi com veemência a este olhar. Ao que o psicólogo retruca serenamente: “Por que o senhor teria um problema psicológico?”. Sou educado, por isso eu não falei o que tinha vontade: que se eu soubesse não estaria ali, que eu não tinha obrigação de saber e que não tinha estudado pra isso. E que mania irritante o psicólogo tem de responder fazendo outra pergunta! Neste ponto, já tinha chegado a algumas conclusões: primeiro, que nem o psicólogo sabia se o meu problema era psicológico; segundo, que o psicólogo não sabe nada; terceiro, que realmente eu estava perdendo o meu tempo e a minha paciência. Apesar disso, algo naquela pessoa me fazia falar bem mais do que eu pretendia. Como imaginava, não é mesmo de muitas palavras esse sujeito. Aliás, notei que o psicólogo só tomava a palavra para devolvê-la. E assim era como seu eu pudesse me escutar melhor. Será que as pessoas vão ao psicólogo simplesmente porque precisam falar? É muita carência!... Estaria eu carente? Repeli este pensamento imediatamente. Carência é coisa de mulherzinha. Sempre tive que correr atrás do que queria, nunca tive tempo para muito sentimento. Não sei o que é chorar. Aprendi desde cedo que a vida é dura. Só os fortes sobrevivem e vencem. Mas diante daquela pessoa, que ora parecia um amigo, ora parecia um profissional, mesmo querendo, eu não precisava ser forte. Em trinta minutos, falei sobre mim mais do que durante a minha vida inteira. Sem sentir o tempo passar, de repente o psicólogo me informa que o tempo acabou. Ao contrário da minha expectativa ao chegar, achei que o psicólogo teria algo a dizer sobre o meu caso. Pergunto: “afinal, doutor, o que eu tenho?”. A resposta me deixa confuso, mas me soa verdadeira: “Você tem uma estranha dor. Um problema único. É o seu problema.” Após a remarcação da consulta, levanto um pouco atordoado com aquela conversa esquisita. Antes que o psicólogo fechasse a porta, volto e faço uma última pergunta: “doutor, apesar de não ter um problema psicológico, eu posso voltar?”. Diante do aceno positivo feito com a cabeça, volto para casa aliviado. E sem dor.
Posted on: Mon, 26 Aug 2013 22:46:54 +0000

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