Revista Carta Capital: A mídia nos representa? A real percepção - TopicsExpress



          

Revista Carta Capital: A mídia nos representa? A real percepção do eleitor. Publicado em Segunda, 23 Setembro 2013 03:29 Parecia uma carta de independência ou um ultimato antes da declaração de guerra. Na ma¬nhã da quarta-feira 18, o jornal Estado de Minas se arvorava no papel de representante legítimo dos 19 milhões de habitantes do estado. Em editorial de primeira página, o jornal investia contra o ministro Celso de Mello, que dali a horas decidiria o futuro de 11 condenados no processo do "mensalão". "Nas ruas de Belo Horizonte, parte expressiva d a população tende a considerar a aceitação dos embargos como decepcionante. Pior: um aceno à impunidade", afirma¬va o texto. No dia seguinte, como tantos veículos de comunicação, o diário mineiro não esconderia a insatisfação com a "prorrogação" da análise do processo. O carioca O Globo iria além. "STF mantém a impunidade de mensaleiros até 2014", cravou na capa. Em tom uníssono, a mídia lamentou o "divórcio" entre o Supremo Tribunal Federal e a "opinião pública". Mas qual opinião pública? "A do próprio jornal, oras", avalia, sem rodeios, o sociólogo Venício de Lima, professor da UnB e dedicado aos estudos da mídia. "Desde meados do século passado, os principais grupos de mídia reivindicam a representação da opinião pública em detrimento dos canais institucionais da democracia representativa, como partidos, governos e Congresso. Isso porque a imprensa tem o papel de mediar a comunicação, fazer a ponte entre o publico e as instâncias de de¬bate político." Com um problema, ressalta: "Ao mesmo tempo que fazem essa mediação, esses grupos são atores políticos, defensores de seus próprios interesses e dos de seus financiadores. Em nenhum lugar do mundo a mídia pode se colocar como porta-voz da opinião pública. Menos ainda no Brasil, marcado pela forte concentração dos meios de comunicação, u m oligopólio de interesses muito particulares". A avaliação de Lima é compartilhada pela cientista política Vera Chaia, professora da PUC-SP. "A mídia não foi elei¬ta, não tem representatividade, não pode falar em nome do conjunto da população. O que pode medir a opinião pública são as pesquisas, e mesmo as¬sim é preciso olhar para elas com certa desconfiança, pois normalmente direcionam o entrevistado a se manifestar sobre as pautas predeterminadas pela mídia", avalia a docente. "Ainda mais descabido é pressionar um juiz a decidir conforme o clamor popular. Um ministro da Suprema Corte tem de julgar com base na Constituição, na defesa do ordenamento jurídico." Marcus Figueiredo, professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj, ressalta que o conceito de "opinião pública" está no singular não por acaso. "Ela só se manifesta quando bá consenso na sociedade. E do interesse do conjunto da população, por exemplo, ter um sistema de transporte público bom e confiável. Não interessa sc boa parte da população tem automóvel particular. A mobilidade urbana depende de sistemas de transporte coletivo", afirma. "Portanto, podemos dizer que a opinião pública é favorável ao combate à corrupção, mas daí a dizer que é contra os embargos dos réus do "mensalão" são outros quinhentos, O que estava em jogo ali não era esse único processo, e sim a validade de um recurso jurídico. Até porque, amanhã ou depois, o dono desse jornal que fala em nome da opinião pública pode estar no banco dos réus e sentir que o seu direito à ampla defesa foi cerceado pelo STF lá atrás." Para tentar assumir oposto de legítima representante da opinião pública, a mídia costuma desqualificar as demais instâncias políticas da democracia, sus¬tenta o historiador Aloysio Castelo de Carvalho, professor da UFF. "Os jornais se apresentam como uma voz mais autêntica por não ter envolvimento direto no processo eleitoral, e exploram o desgaste que existe entre os políticos eleitos e a população representada. Em países com democracia mais consolida¬da, há um equilíbrio maior nessa relação entre a mídia e as instituições políticas. Uma responde à outra, sobretudo nos casos de desvio de conduta. Aqui, não. Além disso, não há uma tradição de plu¬ralidade de pensamento na mídia brasileira. Boa parte da população tem a sua voz ignorada pelos jornais." Autor de um livro sobre o tema. Carvalho cita o exemplo da articulação de dezenas de emissoras de rádio, dos Diários Associados e dos jornais cariocas O Globo e Jornal do Brasil pela de¬posição do presidente João Goulart. Criada em 1963, a cinicamente autointitulada "Rede da Democracia" se colo¬cava como porta-voz da opinião públi¬ca e exigia a intervenção dos militares contra a suposta ameaça comunista no País, " Praticamente, não havia oposição nos meios de comunicação a esse projeto, que resultou no golpe de 1964 e em uma ditadura de 21 anos." O alardeado "divórcio" entre o Judiciário e a opinião pública é outra invenção, sustenta Fernando Filgueiras, professor de Ciência Política da UFMG e coordenador do Centro de Referenciado Interesse Público. "Nunca existiu esse casamento, até porque a população nutre profunda desconfiança em relação ao Judiciário." Em artigo publicado na revista acadêmica Brazilian Political Science Review, ele apresenta uma pesquisa feita em 2012 com mais de 1,2 mil entrevistados em Belo Horizonte, Goiânia, Porto Alegre e Recife. A desconfiança atinge todas as instituições: Presidência da República, Congresso Nacional, forças policiais... Mas também o Judiciário, visto com suspeição por 48,7%. As razões são claras: 61,4% não acreditam que os cidadãos são tratados de forma igual, e 51,7% avaliam que os juízes tomam decisões influenciadas por políticos, empresários e outros interesses. HÁ UMA RAZÃO PARA OPINIÃO PÚBLICA SER UMA PALAVRA NO SINGULAR, DIZ MARCUS FIGUEIREDO. "ELA SÓ SE MANIFESTA QUANDO HÁ CONSENSO NA SOCIEDADE." OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO NÃO FORAM ELEITOS, LEMBRA VERA CHAIA. A real percepção do eleitor STF fez a coisa certa. Ao considerar cabíveis os embargos infringentes no julgamento da Ação Penal 470, seus integrantes to¬maram uma decisão de consequências profundas. Os dias que antecederam à decisão, e mesmo as declarações subsequentes de alguns ministros, foram marcados pela ideia de que a opinião pública queria a rejeição desses embargos. Que a maio¬ria do País exigia barrar o direito de os acusados, mesmo aqueles considerados inocentes por quatro juízes, serem sub¬metidos a novo julgamento. Da quinta-feira anterior, quando a sessão do plenário para deliberar sobre o tema foi interrompida, ao dia da de¬cisão, o tom do discurso oposicionista no Congresso, na sociedade e na mídia "anti-lulopetista" seguiu por esse caminho. Os parlamentares da oposição, com alguma cautela, os colunistas da "grande imprensa" sem qualquer embaraço. Todos desejavam evitar o acolhimento dos embargos e lançavam ameaças veladas aos juízes caso o fizessem. Anunciavam a ira da população sobre os ombros dos magistrados se não mandassem todos os acusados imediatamente para a cadeia. Último a se pronunciar e responsável pelo voto definitivo a favor dos recursos, o ministro Celso de Mello mencionou a pressão. O tribunal, frisou durante a leitura de seu voto, não pode "expor-se, submeter-se, subordinar-se à vontade de maiorias contingentes". Ou seja, falou co¬mo se houvesse redigido seu voto contra o desejo da nação, ou da sua parcela maior. Como se existisse qualquer evidência da existência dessas "maiorias" e como se, caso confirmadas, devessem ser consideradas "naturais". Cada um a seu modo, os veículos da mí¬dia oposicionista fizeram de tudo para dar substância à tese (e reforçar a pressão sobre o tribunal). O Datafolha foi convoca¬do a pesquisar as opiniões na capital pau¬lista de forma a permitir a manchete "Em São Paulo, maioria rejeita a reabertura do mensalão". Um jornal mineiro esmerou-se: na quarta 18, estampou na primeira página uma "carta a Celso de Mello", escrita e assinada em nome (!?) dos "cidadãos do estado de Minas Gerais". De maneira "técnica" ou tosca invocavam a "opinião pública". Como chegou o Datafolha ao resultado? A pergunta sobre a aprovação ou rejeição à "reabertura do julgamento" seguia-se a duas outras. A primeira pedia ao entrevistado que dissesse se considerava o chamado "mensalão" "um esquema de corrupção (...) com uso de dinheiro público" ou "de arrecadação de dinheiro" para campanhas eleitorais. A segunda afirmava: "Pessoas condenadas à prisão (...) querem que o STF reveja (o julgamento)" e perguntava se o entrevistado estava de acordo. Em outras palavras, mencionavam-se expressões como "corrupção", "uso de dinheiro público" e "pessoas condenadas à prisão", antes de indagara respeito dos re¬cursos. Até quem nada sabe de pesquisa é capaz de imaginar as respostas. A pesquisa revelava, porém, outras nuances: a proporção de paulistanos bem in¬formados (o que está sempre associada a interesse) sobre o "mensalão" era de 19% e apenas 39% dava notas maiores que 6 para o desempenho do STF durante o julga¬mento (considerado "ótimo"ou "bom" por não mais de 21% dos entrevistados). Tais números não são muito diferentes daqueles obtidos pelo Vox Populi em pesquisa nacional realizada no ano passa¬do, ainda no auge do julgamento. Naquela época, aqueles que se acreditavam bem informados sobre o assunto somavam 18%, mas apenas 12% sabiam dizer, de forma espontânea, o nome do tribunal onde o julgamento ocorria. Apesar do desinteresse e da desinformação, 30% dos entrevistados consideravam que "a responsabilidade dos acusados estava provada". Sob outro ângulo, significa que 70% não tinham essa convicção. Mais: 30% entendiam que apenas as culpas de alguns estavam comprovadas e 39% não se julgavam em condições de responder. Não surpreendentemente, apenas 29% defendiam punições a todos os acusados. Só 29% concordavam com a tese central da acusação, da existência de um esquema de desvio de verbas públicas para comprar o apoio de deputados. Informados do fato de os parlamentares acusados serem na sua maioria do PT, 33% dos entrevistados consideravam "sem sentido" a imputação (e 38% não tinham opinião). Em outras dimensões, via-se a força dos estereótipos. Apesar da baixa (ou nenhuma) informação, 65% supunham que os acusados "ficaram ricos ", Entre a minoría que se acreditava capaz de calcular o montante dos recursos movimentados, 25% cravaram "mais de 1 bilhão de reais". A frase bombástica de que o "mensalão" teria sido "o maior escândalo" de nossa história era subscrita por não mais de 21%. Para uma ampla maioria (57%), haveria "outros casos, maiores ou iguais" (entre indivíduos com educação superior, a proporção alcançava 69%). Em suma, ao se levarem em conta os resultados das pesquisas disponíveis, pode-se dizer que não chega a um terço o contingente da população crente na narrativa a respeito do "mensalão" criada pela oposição, especialmente seu braço midiático. A meia dúzia de mal-educados a destilar ódio pela internet e chatear os juízes não expressa o conjunto da sociedade. A opinião pública brasileira não concorda com a corrupção e anseia pela punição dos corruptos. De todos. Ela não aceita a sonegação de impostos de megacorporações de mídia, o estímulo de autoridades a cartéis de fornecedores em troca de "apoio", a existência de entidades "sociais" que desviam recursos ou o caixa 2 em campanhas praticado rotineiramente pelos partidos. Quando alguém invoca "o sentimento da opinião pública" e atribuiu ao conjunto da sociedade o pensamento de uma minoria, nada mais faz do que um jogo político de segunda classe. AO SE LEVAREM EM CONTA OS LEVANTAMENTOS DISPONÍVEIS, NÃO MAIS DE UM TERÇO DA POPULAÇÃO ACREDITA NA NARRATIVA CONSTRUÍDA PELA MÍDIA A RESPEITO DO ESCÂNDALO Revista Carta Capital 23/09/2013
Posted on: Tue, 24 Sep 2013 19:32:11 +0000

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