Revista Jurídica Consulex nº 396 Enfoque Arquivo pessoalJoão - TopicsExpress



          

Revista Jurídica Consulex nº 396 Enfoque Arquivo pessoalJoão Gaspar Rodrigues Promotor de Justiça. Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Cândido Mendes (RJ). Autor dos livros O Ministério Público e um novo modelo de Estado; Tóxicos: abordagem crítica da Lei nº 6.368/76; O perfil moral e intelectual do juiz brasileiro; Segurança pública e comunidade: alternativas à crise; e Ministério Público resolutivo – Um novo perfil institucional. [a-] [A+] 15/7/2013 A CRISE DE CREDIBILIDADE DO CONGRESSO NACIONAL BRASILEIRO O Congresso Nacional tem como principal atividade oficial a tarefa de fazer leis (law-making), embora não detenha o monopólio da função legislativa e nem a esta função se limite.1 Também é um locus privilegiado de fiscalização da ação governamental, agência para recrutamento de líderes políticos, fórum de debates nacionais guiado pelo interesse público, espaço legitimador do sistema político e mecanismo de integração nacional. Mas tudo isso apenas no papel. Na prática, o Congresso não legisla, apenas chancela iniciativas alienígenas. Um percentual altíssimo de iniciativa legislativa parte do Executivo, sem falar na infinidade de medidas provisórias. E a maioria dos projetos partejados no Executivo converte-se em lei, substancialmente, da mesma forma que foi apresentada para discussão. O verdadeiro órgão legislador, hoje em dia, é o Executivo.2 Quando o Parlamento toma a iniciativa de um projeto de lei, é quase sempre sobre questões em que o governo ou setores poderosos têm interesse, mas não a suficiente coragem para enfrentar o desgaste público. Nesses casos, busca-se um parlamentar sem expressão vindo do “baixo clero” ou da “arraia-miúda” (um famoso “quem”) para dar o pontapé inicial à proposição. Se o projeto obtém êxito, ótimo; caso contrário, o desgaste segue com o bode expiatório (o parlamentar inexpressivo). Na fiscalização da ação governamental, o Congresso não passa de um instrumento em posição de subalternidade inaceitável do ponto de vista da harmonia e independência entre os Poderes. O Congresso, com sua atuação fisiológica e sob o peso de favores governamentais, em vez de ser um fórum nacional de debates com o fim de dirimir conflitos, converte-se no principal criador de crises políticas. Tudo isso faz do Congresso Nacional uma “Casa de representação”, não de representação política, mas de representação teatral, em que as deliberações e votações em Plenário não passam de mise-en-scène; em que os parlamentares são reduzidos a marionetes sem valor, emprestando charme democrático a decisões previamente adotadas por minorias em gabinetes fechados sob um fundo autoritário e caudilhesco. De outro lado, se a função própria do Congresso não é governar, e sim vigiar e controlar o Governo, quem controla e vigia o Congresso? O controle popular, via eleições, a posteriori e esporádico, é pouco eficiente. A opinião pública, às vezes confundida com a opinião publicada por agentes dúbios da grande mídia, é mecanismo frágil e facilmente cooptável entre nós. Eis o grande ponto de interrogação que a sociedade brasileira se coloca: quem fiscaliza o fiscal? Como sustenta o publicista alemão Martin Kriele (1980, p. 338), o Parlamento é o órgão de representação do povo por excelência porque tem as competências mais importantes, a saber: a legislação, que o converte em superior a todos os demais órgãos, porque tem uma ampla liberdade de decisão política, obrigado juridicamente apenas pela Constituição, e também pelas leis e regras de procedimento que o próprio Parlamento pode modificar. Diante de tanto poder, quem efetivamente controla essa imensa e dispendiosa “Corte Teatral”? Se não há participação política (praticamente resumida no ato eleitoral) e se a opinião pública é manipulável, o povo só pode premiar ou punir seu representante de quatro em quatro anos. Durante esse período, a presumível vontade do eleitorado converte-se em moeda de troca dos baixos interesses dos parlamentares. Esse estado de coisas evidencia que, para a consolidação da democracia, ela deve ser aceita como um fenômeno de face dupla, com duas preocupações básicas: reforma do Estado (e, no caso, especificamente do Legislativo, com um choque de responsabilidade e moralidade institucional) e reengenharia da sociedade civil. É fato reconhecido, nos mais avançados sistemas representativos, que os melhores indivíduos do corpo social (em termos morais e intelectuais) raramente se candidatam ao Congresso ou às Assembleias estaduais, tão reduzida é a possibilidade de serem eleitos (MILL, 1964, p. 98), com exceção dos que se prestam a sacrificar as próprias opiniões e maneira de julgar para se tornarem porta-vozes servis de interesses escusos. A tendência natural do governo representativo, ainda segundo J. S. Mill, é inclinar-se para a mediocridade coletiva. Essa mediocridade massiva, típica dos parlamentos, assembleias e congressos, é destacada pelo Filósofo espanhol George Santayana (1998, p. 146), para quem uma assembleia só tem as luzes comuns à maioria dos seus membros, ou seja, muito menos que possuem todos esses somados e menos ainda que a parte mais inteligente dos mesmos. Por conta dessas e outras variáveis, o Congresso Nacional segue em crise e desacreditado, “caindo aos pedaços” como um organismo em decomposição, incapaz de se reajustar às exigências modernas e, vez ou outra, colocando o País em perigosa rota de crise e de instabilidade política. E ainda apresenta a fisionomia chocante de uma multidão de parlamentares que deve obediência a um número relativamente restrito de homens, os líderes partidários (representantes de uma partidocracia irresponsável). As grandes decisões parlamentares, as que realmente interessam ao País e ao povo, não são tomadas na publicidade do Plenário, mas a portas fechadas, entre meia dúzia de líderes, sobre razões que nem de longe lembram o interesse público. Na verdade, o Legislativo brasileiro coloca-se perante a sociedade como o principal sabotador da agenda política democratizadora e com os piores índices de credibilidade. Restaurar o comprometimento com os interesses representados é um componente vital da representação e, no caso específico da instituição legislativa brasileira, requisito indispensável para reconquistar a confiança que o povo deposita em seus parlamentares. O corpo representativo brasileiro deve ser para a nação, em uma feliz imagem de Mirabeau (apud LIMA JÚNIOR, 1997, p. 49), aquilo que um mapa é para a configuração física de seu solo: em todas as suas partes, e no conjunto, o Congresso Nacional deve sempre apresentar um quadro reduzido do povo – de suas opiniões, aspirações e desejos, e esta representação deve significar uma proporção relativa do original, precisamente como um mapa apresenta montanhas e vales, rios e lagos, florestas e planícies, cidades e vilas. [voltar] | [topo]
Posted on: Wed, 17 Jul 2013 15:12:03 +0000

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