Somos parte da Era Digital. Não temos nome, mas nick. Sem - TopicsExpress



          

Somos parte da Era Digital. Não temos nome, mas nick. Sem endereços, mas com Caixa de E-mail. Não somos nós, temos avatares. Nossa célula de identidade se chama Login. Nosso passaporte, Senha. E para mostrar que estamos vivos, não basta respirar. É preciso Click & Flash. Instagram-os tudo! Tudo é fotografado e filmado. Registramos tudo! O pulo do gato, o sol que se põe, a geladeira vazia, o tombo da criança, a vizinha varrendo a rua, a chuva que começa, o filme que passa na TV, a TV desligada, o filho dormindo, acordado, sorrindo, chorando, comendo, vomitando... Há crianças que se sentem um vigiado do Big Brother Brasil, com os pais filmando tudo e postando tudo e todos compartilham: - Olha como ele cresceu e está com um dentinho! - Ele vomita que é uma beleza! - Ele dormindo é um anjo! Nos sentimos os fotógrafos, os repórteres, os cineastas. Por causa do boom das redes sociais, as lojas de celulares, câmeras e filmadoras de última geração, parcelam suas compras no cartão em 97 vezes e você começa a pagar só no dia das mães. Na compra de uma câmera que filma em HD, você leva um celular com óculos 3D, tudo facilitado pelo cartão de crédito. Afinal, para as pessoas lembrarem que você existe, é preciso fotografar e manter o seu perfil atualizado! Essa semana vi um jovem sentar ao lado de um morador de rua, com um lanche nas mãos. Fez pose. O amigo registrou. Click and Flash. Ele entregou o lanche e se foi. Não perguntou o nome. Não comeu junto do homem. Não trocou nem uma palavra. Apenas fez do homem um pano de fundo para sua foto que certamente será vista como uma assistência social e para pagar a foto, usa um lanche. Ou talvez o lanche seria o pretexto para a foto. E me pus a pensar se eu também não tenho dado preferência às reportagens que às transformações das histórias que passam por mim. Se ao invés de transformá-las eu busco registrá-las. Se me importo mais com o cuidado dos que me chegam estraçalhados pela vida ou se prefiro os Likes da postagem. Se só compartilho o pão pensando no compartilhamento que essa minha ação gerará na Rede Social. E se ao sair de casa para promover o bem, penso antes no meu próprio bem, na minha imagem, no meu bem-estar, no meu cheiro de perfume caro ao voltar para casa. Se saio de casa equipado com senso de justiça e igualdade em favor do meu próximo ou se saio munido de máquinas fotográficas, filmadoras, celulares... Temos nos tornado piores do que os homens indiferentes da Parábola de Jesus conhecida como a Parábola do Bom Samaritano. Nela, Jesus conta que um homem foi assaltado e deixado nu à beira do caminho, muito machucado. E passou um sacerdote que desviou dele. Passando um levita, também desviou dele. Mas um samaritano se aproxima e cuida dele com toda a dedicação. Os homens da parábola se desviaram do semi-morto. Nós, por muitas vezes, temos nos aproximado apenas para fotografá-lo em sua desgraça, e posamos com cara de benfeitores. Depois os abandonamos à sua própria sorte e vamos correndo para casa, postar nossa foto para a comunidade dos justos virtuais. Essa Era digital faz uma sociedade de covardes. Os anônimos digitais se escondem atrás dos nicks para gritar ao mundo. Comentam com raiva sem sem se mostrarem. Não querem ter, na vida real, ligação alguma com seus pontos de vista. Quando se mostram, é apenas aquilo que a eles caia bem. Sempre critico os anônimos da vida digital. Pela falta de coragem de se anunciarem e de assumirem suas opiniões. Mas exalto os anônimos da vida real. Aqueles que fazem e não precisam fotografar para receber o incentivo de continuar fazendo. Fazem o bem sem mostrar porque. Sem desejar Likes, mas o fazem porque a consciência está repleta de compaixão e de amor. Como na Parábola de Jesus. O samaritano era apenas um samaritano. Não se sabe o nome dele. Fez o que fez não para ficar conhecido, mas porque tinha senso de humanidade. O anonimato do amor é a sua única garantia de eternização. “Um certo samaritano” diz a parábola. Não tem outdoor, placa. Não recebe o Nobel da paz. O título de cidadão honorário. De membro ilustre! É o anônimo samaritano que perde um dia de trabalho. É o anônimo samaritano que coloca toda a sua reserva de dinheiro pra viagem que fazia e seus cuidados médicos à disposição do outro. É o anônimo samaritano que ao colocar o homem sobre seu animal, se vê incumbido de carregar as suas bagagens e a do homem nas mãos. Arrastando-se com o peso. Porque? Para o bem. Há os que procuram as caridades para a auto-promoção. São os que saem de casa dizendo: Eu e a minha câmera serviremos ao senhor. O senhor eu. Rei da auto-promoção. Não digo que é negativo registrar ações. Digo que é ruim a intenção de ter ação apenas para registro. O mundo não precisa de caridade que é o equivalente ao samaritano ter feito os curativos e dado tchau dizendo: fiz minha parte. O mundo precisa de justiça. Que é colocar o cara nas costas fazendo dele o seu próximo mesmo sendo ele de um povo que historicamente o maltratou desde sempre, como se sabe sobre samaritanos e judeus. E isso tudo, sem esperar nada em troca, nem mesmo um elogio.
Posted on: Sun, 27 Oct 2013 01:59:02 +0000

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