SÉC. XVI - VIAGENS E SISTEMATIZAÇÃO DO MUNDO Casimiro Jorge - TopicsExpress



          

SÉC. XVI - VIAGENS E SISTEMATIZAÇÃO DO MUNDO Casimiro Jorge Simões Rodrigues Século XVI - Viagens e sistematização do mundo Os novos cronistas do novo século XVI, narram fascinados as viagens que fizeram, eles próprios ou as que experimentaram aqueles que lhes forneceram o material informativo com que compuseram as suas obras. Move-os a consciência de que devem perpetuar a memória das descobertas. Não tanto descobertas de novos locais, de novas gentes. Antes a descoberta de si próprios nestes novos tempos. Tempos sempre vivos. De Oceanos e de Viagens, com origens que remontam aos séculos XV, XVI. Tempos de valorização do número. Nas navegações em que se exigiam cálculos que fundamentados na experiência procuravam superar o erro. Invenção do nónio por Pedro Nunes. Medição de distâncias, navegação astronómica, determinação do grau. O comércio exige o registo de quantidades, dos homens, dos espaços. Quantificam-se barcos, populações, riquezas. Vitórias e derrotas. Mortos e sobreviventes. Mede-se a altura das estrelas. Surgem interrogações quanto à verdadeira dimensão da Terra. Tempos de nova tecnologia. A fundição de metal busca a elaboração de uma artilharia que, empiricamente, constituiu uma técnica que no Oriente marca a supremacia portuguesa. As armas aperfeiçoavam-se e representavam a dominação, o controlo. Mas não só equipamentos de ataque e defesa. Também utensílios de navegação, instrumentos de medição astronómica. Mecanismos. A engenharia náutica adapta-se às necessidades próprias dos oceanos. De variadas madeiras se constrói uma nau. Oriente, Extremo-oriente, Ásia, novos continentes, mostram outras construções, outros materiais, tecnologias diversas. Em palácios de reis, mas também nas vulgares habitações. Tempos de alteração do mundo físico e das suas leis que é a própria alteração produzida pela nova realidade no intelecto do descobridor. Os navegantes olham atónitos o fogo de Santelmo, cabelos de luz nas extremidades de vergas e navios. Mas a bússola, o quadrante, o astrolábio, são instrumentos correntes e culminam anos de aperfeiçoamento de variados povos fundindo-se com o experiencialismo português. Abrem-se os caminhos que conduzirão, em breve, a Galileu, Descartes, Newton. Tempos de novas abordagens visuais. Luminosidades. Traços de diferentes formas de captação do real. Aos elementos familiares, junta-se a exuberância de novas cores e formas. Tons de águas e de céus. Universo cromático de tempestades e bonanças. O retrato da natureza e do próprio homem rumo a uma outra mais profunda dimensão. Tempos de novas contabilizações. A movimentação de cargas obriga à adopção de um maior cuidado no registo de contas. Livros de receita e despesa das grandes instituições, mas também de particulares, de negociantes internacionais, de soberanos. Elaboram-se orçamentos e contabilizam-se impostos. Vislumbram-se intenções de previsão. Planificação. Exige-a o Estado mercador. Mais dificilmente o consegue. É a formação de uma autêntica mentalidade quantitativa que se desenvolve no século XVI. A mesma que encontraremos nas mãos dos senhores de engenho do Brasil. Os engenhos que são, por sua vez, autênticas “concentrações” com centenas de “trabalhadores”. Tempos de uma economia à escala do mundo. Uma nova dimensão que traz outros problemas. São novas formas de pagamentos e amortizações. Analisam-se as consequências do afluxo de imensas riquezas e a sua relação com as gigantescas dívidas que assolam o Estado português. Especiarias, metais preciosos, madeiras e animais exóticos alteram o panorama económico. Renova-se a importância de feitores, mercadores, esses homens activos que obrigam ao repensar do corpo social. Os nobres não querem perder a viagem. Os religiosos adaptam-se. Alargam-se os horizontes das relações diplomáticas e o Direito acompanha as conquistas que a força consagrou. Defende-se o Tratado de Tordesilhas, elaboram-se as Ordenações do Reino e colige-se a legislação “extravagante”, dispersa, num esforço unificador de sedimentação do Estado. Tempos de enriquecimento da língua portuguesa. Também de maturidade e individualidade. Novos contactos impõem novos termos. “Descobrir”, “descobrimento”, “experiência” - inovadores vocábulos ou renovadas significações. Em remotos locais, surgem outras palavras. Simbioses que designam objectos de uso religioso, militar, gastronómico. É uma nova terminologia que o fenómeno da expansão desperta no século XVI. A epopeia é, agora, portuguesa. Aos portugueses cabe, desta vez, o jogo com os deuses. Tempos de cruzamento de idiomas. Os conhecimentos emergentes e necessários aos novos tempos levam a que se promovam traduções, relatórios de espiões, narrativas e avaliação - tudo sobre o que faziam os portugueses. A Europa espanta-se. Holandeses, franceses, ingleses, entre outros estrangeiros quererão disputar o domínio ibérico. Negociantes de muitas e desvairadas línguas instalam-se na capital, Lisboa, mas também em muitas outras localidades do país onde a linguagem comercial a todos une. Para que possa traduzir e usar as informações que lhe chegam sobre o Oriente, o cronista João de Barros providencia o seu próprio escravo tradutor. Tempos de protagonismo na História. A acção portuguesa fica registada, entre outros, em narradores como Zurara, Rui de Pina, Duarte Pacheco Pereira, Damião de Góis, Jerónimo Osório, Gaspar Correia, Fernão Lopes de Castanheda, João de Barros, Fernão Mendes Pinto. Não são só histórias de reis e reinados mas também relatos de viagem. Apontamentos de costumes estranhos. Modificação de si próprio pelo conhecimento do outro. Olhos postos nas glórias mas, de igual modo, nas misérias. Tempos de avanço do Humanismo no pensamento. Os portugueses contribuirão para o esplendor do Renascimento italiano oferecendo uma nova visão do mundo. Os humanistas vivem com interesse o fenómeno da expansão. Pensa-se a aculturação. Uma nova mundividência enriquece a filosofia. Lentamente, expandir-se-á, na Europa, a ideia do “bom selvagem” como oposição ao “homem civilizado”. Tempos de novas representações cartográficas. Descrições de terras e gentes. Montanhas, rios, lagos. Esplendores de riquezas naturais. Desolações de anos estéreis. Deslumbramento perante mundos novos. As relações cosmográficas agrupam explicações - da esfera, quanto ao eixo da terra, círculos maiores e menores, o equador. Alinham-se tábuas de latitudes. A Terra cresce. A cosmografia dos antigos é agora corrigida em mapas que iluminam as novas regiões com crescente precisão. Puro interesse de exploração económica, por um lado e, por outro, a mais genuína curiosidade científica. Tempos de uma nova natureza. Um gosto pelos animais estranhos, bem patente na embaixada que, em 1513, D. João III envia ao Papa. Capta-se a nova fauna em desenhos cuidados de que, progressivamente, se expurga a fantasia. O espanto transfere-se do imaginário fantástico para o fantástico real. A botânica virada para as dores e prazeres do Homem - especiarias que se usam como perfumes, conservantes, medicinais, enchem as prateleiras das boticas. Destinam-se a usos afrodisíacos, analgésicos, adoçantes, cerimónias religiosas. Pimenta, gengibre, canela, cravo, noz, são algumas das especiarias que Garcia da Orta, redigindo os Colóquios dos Simples e das Drogas e Coisas Medicinais da Índia cuidadosamente classifica e descreve ao longo das impossíveis viagens que os portugueses banalizaram. Tempos que conhecemos na caligrafia dos textos manuscritos que regista compras e vendas, paisagens, gentes, natureza, confidências solitárias de missionários anónimos, costumes belos ou cruéis. Registos da destreza física do nobre nomeado e destacado ou do anónimo de menor “condição”, empenhados na arte da guerra cada vez mais cruamente descrita como só a guerra se pode descrever. Cavalgar, correr, adestrar - requisitos necessários à sobrevivência. Registos físicos dos “naturais”, e seus “corpos bem despostos e fermosos”, vivendo em contacto com a natureza nos jogos e ócios de outras regiões. Tempos de expansão da fé. A liturgia também viaja com as naus. Funde-se com as práticas locais ou simplesmente rejeita-as. Ganha, em muitos lugares, uma feição diferente, verdadeiramente ecuménica. Mas as crenças também podem chocar, repelir, violentar. A cruz de Cristo viaja nas caravelas e pousa em edifícios e fortificações. Protege dos naufrágios, ajuda os náufragos, salva as almas. Torna mais suportável o desastre. O jesuíta será médico, marinheiro, dominador. Uma fé que animou a expansão que foi cruzada contra o perigo real ou imaginário de um cerco à Europa da cristandade. HOJE Novos tempos e novos desafios. Exige-se uma base matemática adequada a um tempo em que a precisão é fundamental. Precisão requerida por uma tecnologia em constante mutação e aperfeiçoamento que, aliada aos avanços da informática abre perspectivas constantemente renovadas e nunca antes sonhadas. No universo industrial, no rigor dos mecanismos, no mundo da electrónica. Um mundo em constante mutação de profundas implicações numa nova física e química. Tudo se traduz em novas representações arquitectónicas ou artísticas próprias de sociedades que procuram conservar especificidades e identidades regionais no quadro de uma economia mundializada. A língua portuguesa, uma das mais faladas no mundo é, simultaneamente, factor de afirmação e individualidade. Língua que expressa as formas de ser de homens que procuram o seu lugar perante os novos problemas levantados pela ecologia e ambiente. Formação espiritual, técnica, mas também de uma dimensão física. Através de uma fé, qualquer que ela seja, que reconcilie o homem com a sua própria natureza. Casimiro Jorge Simões Rodrigues Leitor de Língua e Cultura Portuguesa / Instituto Camões Universidade Eduardo Mondlane / Faculdade de Letras
Posted on: Fri, 09 Aug 2013 05:53:22 +0000

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