São onze horas da noite, eu acordei às 5:30 para alimentar meus - TopicsExpress



          

São onze horas da noite, eu acordei às 5:30 para alimentar meus filhos e deixar o material da escola arrumado, saí de casa às 6 da manhã para ir trabalhar na periferia, meu primeiro paciente vomitou em cima de mim todas as frustrações dele com o SUS, como se eu que também sou pessoa, namorada, amiga, mãe (sou igual qualquer um de vocês) fosse a única culpada de todas as mazelas que ele vive. Ele estava com o "sistema nervoso" e eu médica DO MAL na primeira vez que o vi na minha sala era culpada de a empresa não ter aceitado a declaração de comparecimento que a enfermeira lhe forneceu na consulta de triagem, era culpada por ele ter aguardado 20 dias para fazer um RX de tórax, era culpada até por ele ter uma situação social desfavorável e ter tido contato com uma pessoa portadora de tuberculose. Eu estava lá, com o estetoscópio na mão e toda minha boa vontade tentando simplesmente ajudá-lo, mas ele sequer pode notar meus olhos cheios de lágrimas por tanto desrespeito, por tanta coisa que eu vi e ouvi sobre minha profissão nos últimos dias. Sem me alongar demais atendi mais 25 pacientes no dia, não tive tempo sequer de almoçar, no fim do dia a enfermeira me pediu "Dra aquela paciente de 16 anos que você estava suspeitando ter um linfoma está aí desesperada porque não consegue fazer os exames que você solicitou, trouxe um único hemograma que conseguimos fazer em 20 dias e quer que você a olhe." Olhei no relógio, eram 16:10 (saio da unidade as 16), eu queria não ligar, eu queria poder descontar nela todas as mazelas que estou vivendo, queria falar que recebi R$ 3500,00 por quarenta horas trabalhadas no SUS porque os gestores foram incapazes de me cadastrar no meu novo cargo e que desses R$ 3500,00 só em despesas da casa, escola, supermercado e babá eu já tinha comprometido R$ 4000,00 e que por isso eu precisava ir embora para o meu segundo emprego para dar uma vida digna aos meus filhos. Mas eu não sou assim, olhei para a paciente, sofrida (ela também não é culpada pelo caos que a PBH me fez passar esse mês), a mãe dela estava chorando, pedi que entrasse na sala, eu não podia fazer nada por elas, tudo que estava ao meu alcance já tinha sido feito (solicitar urgência, implorar pro encaminhamento ser feito e até rezar), a mãe desabou ali na minha frente, chorava copiosamente, fiz a única coisa que podia fazer por essa paciente: dei a mão para a mãe e chorei junto. No caminho para casa o telefone tocou, um dos meus pacientes estava tendo um IAM e precisavam urgente de uma pessoa que pudesse transporta-lo numa UTI móvel, lembrei que ao sair de casa manhã meu filho pediu "mamãe, por favor, não se atrase pra me pegar na escola porque eu não sou menos importante que seu trabalho", meus olhos encheram de lágrimas de pensar que ia decepcioná-lo de novo, mas na minha escala de valores a vida de um desconhecido era mais importante que uma lágrima do meu filho. Me atrasei, por óbvio! Eu não ouvi a nova proposta: estava assessorando a obra do meu consultório. Acho que uma força divina me protegeu de tamanho desgosto. Mas são quase meia noite e eu não consigo dormir: estou chorando pela quarta vez no dia por uma questão que envolve apenas boa vontade política! Eu evito falar, para não parecer arrogante, mas nossa presidenta, seus assessores e toda essa CORJA quer simplesmente fazer a população de trouxa e o pior: CONSEGUEM! Colocam a população contra uma profissão com argumentos pífios e eles compram, sem sequer pesquisar o preço. E dá-lhe "médico burguês", "corporativismo", classe "endinheirada" que merece sofrer por simplesmente ter escolhido dedicar sua vida aos pacientes. Será que é tão difícil perceber que as medidas anunciadas não fazem cosquinha na situação social da grande maioria de nós. Pelo contrário, quanto mais precário o sistema público, mais a população se sente desamparada, e no desespero topa qualquer negócio inclusive arcar com os custos de uma consulta particular. Desmontar o SUS só gera lucro para os convênios e para os bons médicos que só atendem nos seus consultórios particulares, mas condena a morte milhares de garotas de 16 anos com suspeita de linfoma e senhores de 70 anos com infarto e sem transporte. Um cubano, ou um coitado de um estudante de medicina que vai ser obrigado a trabalhar no SUS não vai resolver o problema que é estrutural! Eles vão ser simplesmente objetos manipulados em uma política porca e eleitoreira que vai oferecer a tragédia assistencializada. E você meu amigo, vai culpar o médico cubano ou não, formado ou não, até na hora em que ele foi pra rua para defender o SEU direito a uma saúde decente? Porque eu, médica, humana e "rica" tenho convênio e condições de arcar com a minha saúde e a dos meus pais e filhos, mas estou acordada e escrevendo isso justo pelo desconhecido que a esta hora está lá no interior do Pará e merecer uma assistência como a minha! #prontofalei
Posted on: Tue, 09 Jul 2013 03:17:22 +0000

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