Tenho um vício "deformação" profissional que me ficou de outras - TopicsExpress



          

Tenho um vício "deformação" profissional que me ficou de outras manhãs, há tantas eras atrás e parsecs de distância que me vejo, como o meu sogro tantas vezes se viu, menino entre as pernas do pai a olhar deslumbrado para o broadsheet. Continuo a "abrir" religiosa e diariamente o DN, agora sem aquele cheiro e cor das segundas-feiras, onde a informação atestada se embrulhava em salmão, sem aquele peso do sábado, ou a partilha dominical com o seu irmão nortenho. Agora sem o ritual da lavagem das mãos, depois do ritual de o lamber. Morrem connosco os vícios que não queremos largar, embora a saudade exista apenas na forma de uma recordação grata e cheia de experiência, na forma de um sorriso do tudo, do viver o momento, do contributo para o que não se será. Não lhe vi a capa, nem virei para a contracapa para ler a crónica de Ferreira Fernandes (outro vício, bom!), nem fui à procura de Luís Delgado, na página 2 (ele já lá não está, mesmo) de quem guardo uma imagem de resistência e dignidade pessoal. Já lá não estão o Guilherme, o Mário, dois gentis homens, nem o António José nem o Carlos, embora continue a ter a satisfação de os ver por cá. Pois que o abri, esta manhã, cumprindo o ritual. À cabeça, o destaque que outras páginas, atentas, já destacaram, despertando do pesadelo para a dor, da realidade. "Governo faz a vontade ao FMI e corta quase tudo", "...plano da troika custa 488.000 empregos", "pensionistas dos estado arriscam corte triplo...", "Destruição do emprego deve continuar em 2014"... Os tempos são outros, afirmação gratuita, porque se há coisa impermanente... A notícia desceu, correu, cedeu o lugar aos confrontos no Rio e à queixa contra o Ministro da real politik. Tudo gira a velocidade vertiginosa, como se os acontecimentos e a sua linha do horizonte, como se todos e tudo, fossemos engolidos por um buraco negro, a que ironicamente (uns), alienadamente (outros) ainda chamamos vida. Volto de onde nunca saí porque quero ser o senhor do meu tempo. 488.000 empregos destruídos. Num país com a dimensão do nosso, cerca de 10% do total. Isto não é desemprego, é não-emprego. É a garantia que o des- nunca voltará a baixar, a não ser, como todos deveríamos estar cientes, que os salários o façam. Como o INE já demonstrou mas "ninguém" quer saber (ninguém sou eu e quero, imagem mais desajustada, esta!). Criação líquida só para salários abaixo de 310€. Pergunto-me, e a quem tenha tido a paciência de chegar aqui: Como se vive com 310€ por mês se se tiver renda para pagar, mais água, electricidade, gás, comida, transportes (para ir trabalhar, pelo menos)? Como se "constitui família" podendo perder-se o emprego de hoje para amanhã (outra expressão tonta, porque é "de agora para já"?). Como se paga pensões se não há renovação geracional, 130 "velhos" para cada 100 "jovens", hoje e a subir? Não acredito que a saída seja encontrada dentro do cenário que criámos, porque este não está mal feito, ele é mesmo assim. É o Capitalismo, estúpido! Enquanto continuarmos a perpetuar a ditadura dos mais fortes, a sobrevivência dos mais aptos, continuaremos a competir. Desalmadamente. Até só haver 1, como no filme do das terras altas. Perderemos todos, mesmo o que ganhar. Porque ficará sozinho. Outro mundo é possível.
Posted on: Tue, 08 Oct 2013 09:58:28 +0000

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