Trecho do livro do Paulo André, "O Jogo Da Minha Vida". O texto - TopicsExpress



          

Trecho do livro do Paulo André, "O Jogo Da Minha Vida". O texto é grande, mas leiam é muito bom, vale a pena. "Muitas pessoas me perguntam como foi jogar ao lado do Ronaldo, e até hoje é um pouco difícil explicar. O apelido Fenômeno descreve bem o que esse jogador ainda representa para o mundo. Dos quase dois anos que jogamos juntos, escolhi um momento (de muitos) que demonstra a grandeza desse excepcional atleta. No dia 13 de Novembro de 2010, o Pacaembu estava lotado, e a nação corintiana tomava conta das arquibancadas, em um jogo que poderia decidir quem continuaria vivo na briga pelo título brasileiro. Corinthians e Cruzeiro, segundo e terceiro colocados respectivamente, jogavam pela 35° rodada. Uma partida tensa, nervosa, de muita marcação e poucas oportunidades de gol. Tudo levava a crer que o duelo terminaria em 0 x 0, resultado que faria o Fluminense disparar na liderança, rumo ao título do Brasileirão. Aos 45 minutos do segundo tempo, quando ninguém acreditava em mais nada, num cruzamento despretensioso do Jorge Henrique, Ronaldo salta dentro da área para matar a bola no peito, com sua frieza tradicional, e é atropelado pelo zagueiro cruzeirense, que pensou que o Fenômeno tentaria o golpe de cabeça, direto em direção ao gol. O juiz aponta a marca da cal, assopra o apito e determina a penalidade máxima. Jogadores do Cruzeiro vão para cima do árbitro com empurrões e xingamentos, dizendo que o Corinthians estaria sendo favorecido e que o futuro campeão já estava definido nos bastidores. Quase que simultaneamente olhei para os jogadores do Corinthians, que se perguntavam quem assumiria aquela responsabilidade. Sem dúvida nos veio à mente a lembrança de que, naquele ano, já havíamos perdido quatro pênaltis em jogos importantes com três batedores diferentes. Esses erros tinham resultado em uma meia dúzia de pontos a menos na classificação e acabado com a chance de já termos decidido aquele título por antecipação. Por isso, ninguém queria bater. Alheio a tudo isso, no meio da grande área e com a bola na mão, o Fenômeno estava em seu habitat, de frente para o gol, pronto para cobrar o pênalti e decidir o jogo. Ao perceber isso, imaginamos o desfecho ideal para alguém que se acostumou a definir jogos importantes e a assumir grandes responsabilidades. Ninguém mais perfeito que ele para liquidar o “problema” (um pênalti a favor) com tamanha eficácia. Naquele momento me passou pela cabeça os três gols de pênalti que ele havia feito em um mesmo jogo contra a Argentina pelas eliminatórias da Copa do Mundo. Se ele havia feito três contra a Argentina, não seria agora que nos decepcionaria. Ronaldo ajeitou a bola, tomou distância. Mãos na cintura aguardando o apito do juiz. O Pacaembu calado, olhos fixos no Fenômeno, corações esperançosos e o grito entalado na garganta da Fiel. Ele começou andando em direção à bola, aumentou um pouco a passada até chegar a seu encontro e tocou-a com o pé direito, sem muita força, em direção ao canto esquerdo do goleiro. Este já tinha se atirado com toda a força para o lado direito e só teve tempo de virar o pescoço e se lamentar ao ver o desfecho da cobrança. Goleiro de um lado, bola do outro. Explosão nas arquibancadas, alívio dos torcedores e jogadores, o Corinthians continuava vivo na briga pelo título brasileiro. Após esse momento mágico de alegria, automaticamente pensei em como aquele cara conseguia ser tão frio e eficiente. Parecia que ele estava no campinho de terra ao lado de sua casa, durante a infância, sacaneando os goleiros que tentavam pegar seus chutes. Parecia que, na cabeça dele, não havia ninguém assistindo ao jogo. Era só ele, a bola e o gol. Será que o Ronaldo percebeu que tinha um goleiro debaixo dos três paus? Seu movimento e seu gol foram de uma simplicidade tão absurda que ninguém, ao final do jogo, mencionou ou questionou a pressão que ele deveria estar sofrendo diante de milhões de torcedores em todo o país. Ao sair de campo, Ronaldo deu várias entrevistas, mas não tocou no assunto, como se fosse uma obrigação não errar e não sentir o peso da responsabilidade. Os repórteres, por acreditarem estar diante de um fenômeno sobrenatural, um ser de outro planeta que vinha nos encantando nos últimos 15 anos, nem ousaram perguntar o que havia passado pela sua cabeça durante aqueles três minutos entre a marcação do pênalti e sua conclusão. Eu, com essa mania que querer racionalizar tudo, esperei a empolgação da vitória passar dentro do vestiário, formulei minha pergunta e fui até ele. Ao chegar, parabenizei-o pelo e perguntei como ele tinha batido aquele pênalti com tanta tranquilidade. Ele olhou para mim, olhou em volta, como se quisesse contar um segredo que ninguém poderia, e disse: – Eu ia bater no outro canto e resolvi mudar em cima da hora. Na verdade, pensei em mudar umas três vezes antes de bater. Nunca tinha sentido tanta pressão em minha vida, nem na Copa do Mundo. Meu corpo inteiro tremia. Ainda bem que mudei o lado da batida, senão o goleiro ia pegar a bola. Olhei em volta, ninguém tinha escutado aquilo, nenhuma testemunha para atestar o que eu tinha ouvido e que mostrava que o cara também tinha medo. Ele não era tão diferente da gente assim. A única diferença que o fez melhor – muito melhor, aliás – é que ele aprendeu a lidar e controlar esses sentimentos que tanto nos atrapalham nos momentos de decisão".
Posted on: Thu, 08 Aug 2013 21:48:28 +0000

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