UMA LIÇÃO DE DEMOCRACIA EM DEFESA DOS DIREITOS INDIVIDUAIS. RUY - TopicsExpress



          

UMA LIÇÃO DE DEMOCRACIA EM DEFESA DOS DIREITOS INDIVIDUAIS. RUY BARBOSA, LIBERDADE DE IMPRENSA E AMPLITUDE DE USO DO HABEAS CORPUS: Ruy Barbosa impetrou HC contra ato do 1o. Delegado Auxiliar de Polícia do Rio de Janeiro, que vetou a publicação em jornal de grande circulação de discurso proferido pelo impetrante, na tribuna do Senado, contra a prorrogação do estado de sítio, então vigente. Fundamenta seu pedido na imunidade parlamentar, no tocante a opiniões, palavras e votos, afirmando que o estado de sítio não pode abranger o Congresso Nacional, poder independente do Executivo. Ademais, a publicidade dos debates ocorridos no Parlamento é de interesse da nação, no exercício da sua soberania. Enfim, se a publicação dos discursos ficar restrita à imprensa oficial, não haverá publicidade. O pedido concentra-se na concessão da ordem para que seja permitida a divulgação do discurso do impetrante em órgãos de imprensa não oficiais. Observa-se, inicialmente, ter havido, dentre os ministros do Supremo Tribunal Federal, o debate preliminar acerca do cabimento do habeas corpus para questionar matéria não relacionada diretamente à liberdade de locomoção. Ultrapassou-se essa questão, acolhendo-se o instrumento heroico apresentado para o fim almejado, embora com voto vencido. Naquela época, a Constituição Federal de 1890 não fazia referência ao mandado de segurança, mas tão somente ao habeas corpus, destinado a coibir constrangimento ilegal ou abuso de poder, cuja previsão era formulada em termos genéricos (art. 72, § 22). Não se mencionava, expressamente, a liberdade de locomoção, embora já se discutisse na doutrina e na jurisprudência o seu real alcance. Alguns, em visão restritiva, buscavam a sua aplicação exclusivamente no cenário do direito de ir e vir, enquanto outro já advogavam a sua utilização para combater toda violência ao indivíduo, quando decorrente de coação ilegal ou abuso de poder. Preceitua a atual Constituição Federal de 1988, no art. 5o, LXVIII, que será concedido habeas corpus “sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”; no art. 5o, LXIX, dispõe-se que será concedido mandado de segurança “para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”. Em tese, portanto, se o debate sobre a abrangência do habeas corpus impetrado por Ruy Barbosa fosse hoje deveria ter sido resolvido de outra forma, utilizando-se o mandado de segurança para o caso. Entretanto, ainda na atualidade, permanecem a doutrina e a jurisprudência majoritárias atreladas à interpretação extensiva da esfera de uso do habeas corpus, permitindo o ingresso da ação de impugnação para coibir não somente atos constritivos ao direito de ir e vir, mas também os direitos correlatos, no contexto criminal, que possam evidenciar alguma forma de constrangimento, ainda que reflexo, à liberdade de locomoção. Exemplo disso é a admissão do habeas corpus para trancar ação penal quando ajuizada sem justa causa. O mandado de segurança, hoje, fica circunscrito, na maioria das hipóteses, à esfera extrapenal. No campo criminal, para algumas matérias, como o questionamento em relação à quebra de sigilo. Retomando-se o habeas corpus impetrado por Ruy Barbosa, calcado em elementos desligados da liberdade de locomoção, pois centrado na imunidade parlamentar, no direito de expressão, na liberdade da imprensa, na publicidade dos atos e discursos emanados do Congresso Nacional, na divisão dos Poderes, enfim, em matéria constitucional não conexa ao direito de ir e vir, certamente, hoje, comportaria a impetração de mandado de segurança. O foco seria garantir direito líquido e certo, baseado, justamente, nos preceitos supra expostos, condizentes com o exercício livre do mandado parlamentar junto à imprensa e à sociedade, por meio da publicidade. Não haveria necessidade de uso do habeas corpus para tanto. Porém, àquela ocasião, nos termos em que era redigido o art. 72, § 22, da Constituição de 1890, não há dúvida de que se afigurava cabível o habeas corpus para coibir abusos de poder no tocante à relevante questão exposta pelo impetrante. Superada a preliminar, quanto ao cabimento do instrumento utilizado, no tocante ao mérito outra não poderia ter sido a decisão do Supremo Tribunal Federal. A Constituição Federal de 1988, no tocante ao estado de sítio, possui expressa disposição a respeito do tema: “não se inclui nas restrições do inciso III [sigilo das comunicações, prestação de informações e liberdade de imprensa] a difusão de pronunciamentos de parlamentares efetuados em suas Casas legislativas, desde que liberada pela respectiva Mesa” (art. 139, parágrafo único). É exatamente a matéria envolvida no habeas corpus impetrado por Ruy Barbosa em 1914. Observa-se que a História revela a necessidade de modificações legislativas relevantes. Diante de abusos do passado, a atual Constituição possui preceito claro a respeito. Por certo, sob a égide da Constituição de 1890, a decisão do STF foi corajosa, calcada na interpretação conjunta de vários princípios regentes do Estado de Direito e da República Federativa do Brasil. O parlamentar possuía imunidade para manifestar a sua opinião sobre qualquer tema, quando no exercício do seu mandato. Ora, naturalmente, cuidando-se de mandato popular, o discurso proferido na tribuna do Senado podia – e devia – ser divulgado à sociedade. O meio adequado para tanto era a imprensa, que fazia circular a informação de maneira eficiente e genérica. Por isso, a alegação de publicidade foi coerente. Outro aspecto relevante era e é a tripartição dos Poderes da República, não havendo sentido algum em se propiciar ao Executivo a possibilidade de fiscalizar o Legislativo, mesmo em estado de sítio, vetando a sua livre manifestação ou, no mínimo, a divulgação dos seus atos e opiniões. Aliás, fosse possível, também o Judiciário poderia ser coartado pelo Poder Executivo, fazendo ruir a ideia de independência dos Poderes republicanos. Em que pese o voto vencido que, quanto ao mérito, denegava a ordem, a maioria dos magistrados do Pretório Excelso posicionou-se em favor dos princípios mais relevantes da República, quais sejam o livre exercício do Poder Legislativo, em qualquer situação, com a divulgação de seus atos, discursos e manifestações, respeitando-se a publicidade e, mais que tudo, a liberdade de informação e de imprensa. A bem da verdade, o Supremo Tribunal Federal quase sempre atuou ao lado dos princípios básicos do Estado Democrático de Direito, mesmo na época em que tal expressão nem mesmo era concebida como tal, demonstrando o apego do Pretório Excelso ao espírito da democracia e da liberdade individual. Guilherme Nucci
Posted on: Sun, 01 Sep 2013 20:00:12 +0000

Trending Topics



Recently Viewed Topics




© 2015