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Um dia em 1984 ou 85, no meio de uma daquelas zaragatas em que os portugueses são especialistas, escrevi que o fim do “marcelismo” tinha sido a época mais feliz da minha vida. A indignação dos jornalistas foi grande: só um monstro podia gostar de viver sob uma ditadura. Em 1973, com o doutoramento acabado de fazer, alguns tostões para gastar no Gambrinus e a certeza mais maciça que o regime não durava muito, o mundo não me parecia mal. Nesse tempo bárbaro ainda era permitido fumar no átrio da Biblioteca Nacional e nos restaurantes, quase ninguém era multado pela polícia de trânsito e as praias do Algarve estavam quase vazias. O começo de uma vida livre, numa democracia à europeia, sem guerra e sem colónias, parecia iminente. E, mais do que iminente, irresistível. Não veio nada disso. Veio o dr. Cunhal com a ambição de transformar Portugal numa espécie de Bulgária do Sul. E veio com ele o insulto, a ameaça, a grosseria e uma violência larvar a que nada escapava. Bandos de loucos gritavam pelas ruas; e as glórias da “canção de protesto” e da “inteligência” indígena iam inclinar a cabeça e o espírito perante um coronel analfabeto, que o PC protegia. A universidade, já indecorosa, deixou de existir. As famosas “reuniões gerais de escola” não passavam de comícios para eliminar professores alegadamente “fascistas” e pôr lá outros que dessem garantias de zelar pela “revolução”. A censura, militar e civil, voltou para a televisão e os jornais (no DN, guiada por José Saramago) e a boa doutrina prosperou para encanto do povo e delícia da fé. Entre o “25 de Novembro” ao nosso pequeno apocalipse de 2011, cá fomos penando, resignados, com um ocasional ataque de optimismo: a entrada para a “Europa”, o advento do euro, um certo progresso material, que nós, na nossa ingenuidade, tomávamos por seguro. Entretanto, a maioria dos portugueses não percebeu que a levavam para o desastre. Só quando lhes caiu o tecto na cabeça descobriu que, se calhar, a casa não era perfeita. Mas, como de costume, não se apuraram razões, nem responsáveis. A desgraça seguiu o seu caminho e Sócrates voltou de Paris com uma redacção de mestrado, que apresentou por aí como a obra de filosofia, indispensável ao ressurgimento da Pátria. Quem nos toma a sério? VPV
Posted on: Sun, 01 Dec 2013 11:19:25 +0000

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