"... a nossa(dos médicos) indignação é principalmente por dois - TopicsExpress



          

"... a nossa(dos médicos) indignação é principalmente por dois motivos. A primeira porque a falta dos médicos no país está sendo apontada como a principal causa do estado deplorável em que se encontra a saúde pública no país. A segunda é que não há garantias de que esses médicos “importados” serão de boa qualidade. Em primeiro lugar, números são questionáveis e manipuláveis.O governo diz que não há médicos. Alguns telejornais, além do CREMERJ e o CFM, órgãos que regulamentam a medicina aqui no Rio e no Brasil respectivamente, dizem que há médicos mas a maioria está concentrada nos grandes centros. Logo, não dá para afirmar com certeza que não há médicos suficientes. E mesmo que nós estejamos em número insuficiente, não é por isso que a saúde está do jeito que está. De nada adianta aumentar o número de médicos, sejam eles brasileiros ou estrangeiros, para trabalhar em centros de atendimento(hospitais, ambulatórios, etc) que não tenham condições básicas para que esse atendimento seja feito com qualidade. Você perguntou se não existem doenças que possam ser diagnosticadas sem muita infraestrutura e eu te digo que sim. Um bom exame físico e anamnese(a história que o médico colhe com o paciente) podem ser suficientes para diagnosticar algumas doenças. Essas doenças, no entanto precisam ser tratadas, com medicamentos e/ou procedimentos intervencionistas como a cirurgia por exemplo. Acontece que muitas vezes o paciente não tem dinheiro pra comprar o remédio ou o remédio não está disponível no centro de atendimento. E esse problema não há médico no mundo que resolva. Porque a questão de distribuição de renda(para que o paciente possa comprar seu remédio) ou de fornecimento da medicação é responsabilidade do governo, não do médico. Há ainda aqueles sintomas que podem ser apresentados por diferentes doenças e para o médico identificar qual é a doença que está debilitando aquele paciente, ele precisa de métodos que ajudam no diagnóstico. Muitas vezes esses métodos diagnósticos não estão disponíveis no centro de atendimento. E eu não estou falando de métodos de diagnósticos sofisticados. Lembro-me da minha época de estudante no Hospital Universitário Pedro Ernesto, hospital este com excelentes profissionais, em que faltava reagente para um simples exame de sangue, tinha semana que não dava pra fazer hemograma, na outra não dava pra dosar o sódio... E assim por diante. É importante lembrar que a ausência desses exames complementares(laboratório e imagem ) compromete tanto o diagnóstico, quanto o acompanhamento da resposta ao tratamento. Os médicos estrangeiros também não conseguirão resolver esse problema. Por que garantir a disponibilidade desses exames é responsabilidade do governo, não do médico. Existe a questão da falta de leito, que amontoa os pacientes nos hospitais e aumenta o risco de que a doença de um paciente seja transmitida para o paciente ao lado. A questão de cirurgias canceladas por que falta material cirúrgico, muitas vezes o que falta é básico, como fio de sutura ou a lâmina do bisturi, outras vezes faltam equipamentos mais sofisticados que quebram e demoram muitos meses para serem consertados... Voltando a sua questão sobre doenças que podem ser diagnosticadas/tratadas sem muita infraestrutura, eu te digo que existem doenças que podem ser simplesmente evitadas. Isso nós médicos do mundo inteiro chamamos de Medicina Preventiva. Você acredita que existem diversos tipos de diarréia que são causadas simplesmente porque o paciente come fezes contaminadas ou alimentos e água contaminados por essas fezes? Para evitar essas doenças bastaria que a pessoas parasse de comer fezes. Simples, né! É só eu virar pro meu paciente e falar que ele tem que lavar as mãos, beber água filtrada e não fazer cocô perto do alimento dele. O problema é que muitos pacientes não tem saneamento básico, logo não tem um lugar adequado para defecar e muito menos água encanada/filtrada. Aliás, muitos nordestinos não tem nem água para beber. Os médicos importados não vão resolver esse problema. Pois saneamento básico é uma obrigação do governo. E se o governo não fizer nada, as pessoas continuaram comendo suas fezes, continuarão tendo diarréia que poderá evoluir para desidratação e morte. Nós médicos de qualquer parte do mundo precisamos sim de infraestrutura para exercer a medicina. Medicina sem infraestrutura vira curandeirismos. Os médicos estrangeiros serão colocados em cidades, clínicas e hospitais onde faltará tudo o que eu descrevi aqui em cima e mais outras coisas. Quando conseguirem fazer o diagnóstico correto, por muitas vezes não conseguirão fazer o tratamento adequado. Se sentirão impotentes ao ver seus pacientes adoecerem e morrerem por falta de recursos. O conhecimento deles assim como os meus são pouco eficientes diante da falta de recursos. É por isso que nós, médicos brasileiros, não vamos para o interior. Se em uma cidade grande, como o Rio de janeiro a situação já está caótica. No interior está muito pior. Os médicos estrangeiros não representam ameaça para nós por que eles assumirão empregos em condições que nós médicos brasileiros não queremos. Resumindo, existem problemas muito mais graves e que independem da quantidade de médicos para serem resolvidos, pois são de responsabilidade do governo. Garanto que se os governos federal, municipal e estadual, fossem aos meios de comunicação para assumir que o problema na saúde é responsabilidade deles, que eles iriam disponibilizar mais recursos e GARANTIR que todos os problemas seriam resolvidos, nós médicos não estaríamos tão indignados. E se depois desses problemas resolvidos, ainda faltasse médico no interior do país, nós médicos não teríamos problema algum em ter como colegas de profissão médicos estrangeiros DE QUALIDADE."
Posted on: Sun, 07 Jul 2013 00:21:52 +0000

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