[um excerto de GRACILIANO RAMOS] «Os percevejos da Detenção - TopicsExpress



          

[um excerto de GRACILIANO RAMOS] «Os percevejos da Detenção eram na verdade uma praga, e em vão tentávamos saber onde se escondiam. No prédio novo, de muros lisos, não encerado, parecia não haver ambiente para a medonha proliferação. Deviam alojar-se nos ferros das grades, nas juntas das camas, nas gretas dos guarda-ventos. Examinávamos pacientemente os lugares suspeitos, esmiuçávamos a roupa, as cobertas, os colchões, os travesseiros. Nenhum sinal dos miseráveis; durante o dia era possível esquecê-los, jogar xadrez, ler, escrever, ouvir discursos, lições, hinos, sambas. À noite deixavam-nos repousar alguns minutos: era como se calculassem o tempo, soubessem a hora de atormentar-nos. Quando íamos adormecendo, uma ferroada nos despertava, sentíamos carreirinhas na pele, cócegas, comichões. A trave de ferro já não me incomodava: habituara-me depressa a arrumar os ossos no colchão. Agora o tormento era aquele, picadas, o teimoso fervilhar. Virava-me, coçava-me, erguia-me afinal desesperado, sacudia os panos, em busca dos terríveis inimigos. Invisíveis, pertenciam com certeza ao organismo policial, realizavam fiéis a tarefa de importunar-nos da melhor maneira.» (de Memórias do Cárcere, 1ª edição portuguesa: Portugália Editora, 1970)
Posted on: Thu, 31 Oct 2013 20:58:43 +0000

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