Às vezes dá um medão... Haroldo P. da S. Santos Algumas pessoas pareceram pensar que eu não tenho medo de nada. Mas a verdade é que tenho meus medos. Às vezes fico imaginando uma conversa com um burocrata comunista num possível futuro pós-apocalíptico daqui a alguns anos: - Então, sr. Haroldo, o sr. deveria estar feliz. Derrotamos os burgueses que nos oprimiam. - Mas os meus amigos socialistas libertários eram inofensivos. Diziam que não havia perspectiva de mudar o sistema pelo menos nas próximas décadas... - Tivemos que eliminá-los. O sr. tem sorte porque seu avô além de comunista era amigo do Doutel de Andrade e seu pai nos últimos anos de vida saiu da Centro-Direita e até caminhou um pouco para a Esquerda. Foi isso mesmo? - Meu avô era muito bom. Mas às vezes muito impertinente e teimoso como uma mula. Lembro de quando eu era criança; um dia fez com que eu e minha irmã nos ajoelhássemos diante dele. Às vezes ele era muito estúpido, talvez pela influência de seus amigos comunistas... - Em primeiro lugar o sr. está proibido de deixar o país nos próximos 10 anos a não ser que essa ordem seja revogada. Não se preocupe porque não será molestado. O sr. chamou um pouco a atenção de nossos inimigos estrangeiros e A PRINCÍPIO não ficaria bem para nosso regime termos que eliminá-lo. - Obrigado. Eu só tava pensando... - O sr. não é sustentado para pensar. No máximo poderá anotar suas observações e talvez seja aproveitado como pesquisador. O Estado paga para pensar apenas as pessoas com Q. I. acima de 155. Como já dissemos o sr. deve parar de ser metido a intelectual. - Vou poder trabalhar em laboratório? - Isso vai depender de seu comportamento. Por enquanto esqueça as salas de aula. Já passou da hora de o sr. constituir família. Como seu físico não é dos melhores providenciaremos uma mulher submissa e com Q. I. abaixo da média. Em sua casa o sr. poderá se sentir um gênio e para ela também será bom. - Posso usar a Internet e tomar Herbalife? - Duas vezes por mês cada uma dessas coisas capitalistas. - A minha família... - Eles vão ficar bem. Sabemos que o sr. tem mais uns parentes ligados ao Partido. Aliás, por falar nisso, de acordo com sua genealogia sabemos que tem um pouco de origem polonesa e considerando-se que nasceu no Paraná e voltou para lá algumas vezes deverá ser aproveitado como um plantador de batatas, talvez supervisione uma plantação. Aceita vodca? - Não bebo bebida alcoólica. - Deveria curtir mais a vida. Só lhe restam mais alguns anos e como sabe nossa ideologia diz que morreu acabou. - Obrigado. Eu queria saber sobre meus momentos de folga e quando terei permissão para passear um pouco. - Isso será resolvido dentro de uns 10 anos pelos comissários. Outra coisa, o sr. tem que ter uma religião. Corte suas relações com os judeus humanistas, mesmo uma corrente judaica não religiosa é um perigo por incentivar um senso crítico e um individualismo excessivos. Talvez o sr. tenha que seguir a Pajelança já que tem antepassados índios tanto pelo lado materno quanto pelo paterno. Estamos incentivando algumas coisas para reforçar um sentimento de nacionalismo. - Posso pegar uns livros em bibliotecas? - Por enquanto não. Os acervos delas e dos sebos estão passando por uma triagem. Daqui a uns 2 anos esse trabalho deverá estar concluído. Uma vez por semana o sr. terá que comparecer aqui para assistir uns vídeos educativos. Acreditamos que como o sr. já está cansado de confusões poderá ser um cidadão útil. Nós não somos seus inimigos. Talvez um dia o sr. perceba que não somos seus inimigos, seu inimigo é esse povo. Nós até o estamos protegendo dele. O povão é aquilo que sempre foi, mais do que o Estado é ele quem gosta desse negócio de pão e circo. Felicidades.
Posted on: Wed, 31 Jul 2013 12:47:42 +0000
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