É TRISTE SER NERUDA Nelson Rodrigues "Falo de Neruda, Pablo - TopicsExpress



          

É TRISTE SER NERUDA Nelson Rodrigues "Falo de Neruda, Pablo Neruda, o homem que, segundo Sartre, está merecendo um urgente prêmio Nobel. Neruda não é um chileno como outro qualquer. Seria mais exato chamá-lo de poeta do mundo. Há muito que o nosso Pablo assumiu a dimensão da poesia social. Houve um tempo, todavia, em que ele fazia versos à maneira do nosso J. G. de Araújo Jorge. Bem me lembro de um dos seus lamentos mais dilacerados. Dizia assim: — “Tão curto o amor e tão longo o esquecimento”. Essa era a melancolia do antigo Neruda e, ouso mesmo dizê-lo, do ex-Neruda. Dizia-me meu amigo: — “Neruda é um Rubem Braga de penacho”. Vou ser franco: — Prefiro o Rubem Braga. [...] E aconteceu o que era fatal: — a entrevista coletiva. Juntou-se na casa do Rubem Braga a rapaziada do jornal, do rádio e da televisão. Todos presentes, inclusive fotógrafos, o futuro prêmio Nobel dispôs-se a responder. A primeira pergunta — ou uma das primeiras — foi sobre a Tchecoslováquia. Justiça se lhe faça: — a princípio, Neruda não queria responder. Era apenas um poeta que vinha falar dos seus livros. Só dos livros? Só dos livros. Era pouco para a fome da reportagem. Ante a cruel insistência dos rapazes, o poeta resolveu falar sobre tchecos e russos. Lendo sua entrevista, pensei na vizinha: — “Tudo é possível”. Antes não o fizesse. E mais uma vez percebemos que não há opinião intranscendente. O simples fato de opinar compromete ao infinito. Quando vetara o assunto, Neruda foi de uma sábia, de uma clarividente pusilanimidade. Mas se definiu. Eis o que ficou evidentíssimo: — a pusilanimidade do silêncio teria sido mais digna do que a coragem de dizer o seguinte: — “Eu estou com os dois lados. Com a Rússia e com a Tchecoslováquia”. Explicou: — “Sou amigo da Tchecoslováquia, país que me deu asilo quando dele precisei, e também sou amigo da União Soviética”. Por isso, quando perguntam com quem está, ele não se aperta e responde: — com os russos e com os tchecos. Por outras palavras: — está com o crime e com a vítima, com a vítima do estupro e com o autor do estupro etc. etc. Disse eu que, em certos casos, é melhor a covardia do silêncio do que a coragem de certas opiniões. Já retifico. Em verdade, não houve coragem nenhuma. A frase deve ser lida assim: — pior do que a pusilanimidade do silêncio foi a pusilanimidade da resposta. Se a Rússia pode invadir a Tchecoslováquia, tudo é permitido. Trata-se de um crime que envolve o próprio destino da pessoa humana. E vem o nosso Pablo e diz que “a Tchecoslováquia deve compreender”. Vejam: — ainda por cima, “deve compreender”. Quem o diz é o poeta, e o poeta sabe o que diz. Cabe então a pergunta: — e o que é que os miseráveis tchecos “devem compreender”? Responde Neruda: — que a Rússia perdeu muitos homens na guerra. Ah, perdeu? Também os Estados Unidos perderam, e a Inglaterra perdeu, e a França, e outros, e outros. Portanto, vamos nos invadir uns aos outros. Apenas o poeta se esquece de que a Rússia fez o pacto germânico-soviético; que se tornou aliada de Hitler; que colaborou lealmente no esforço de guerra nazista. E afirma o nosso ilustre hóspede que a Rússia libertou os tchecos. Não libertou ninguém. O que a Rússia vinha fazendo era a cínica e brutal exploração da Tchecoslováquia. Esta foi uma nação escrava com os nazistas e continuou escrava com os comunistas. Vejam vocês: — os jornais gastam tinta e papel; a televisão gasta a sua imagem; o rádio gasta os seus microfones; nós gastamos a nossa paciência. E tudo para Neruda proclamar que está com os dois lados. Só imagino a amarga perplexidade do leitor, do ouvinte, do telespectador. Pablo Neruda é um dos maiores poetas do mundo; quase prêmio Nobel; amigo de Sartre e por Sartre amado; homem de sensibilidade, de pensamento, de imaginação. Era de se esperar que visse a invasão através de uma óptica própria e monumental. Sim, ele saberia dizer verdades jamais suspeitadas. Muito bem: — e o poeta me sai um Luvizaro. Ou por outra: — nem o Luvizaro teria descaro tamanho. E é um intelectual. Chamado a opinar sobre o expurgo de intelectuais, diz: — não pode condenar a Rússia, porque tem amigos lá; tampouco pode condenar a Tchecoslováquia, porque também tem amigos na Tchecoslováquia. Agora compreendo o desespero de um amigo meu. Fez dois ou três ensaios literários e desistiu da literatura. Um dia, alguém o apresentou como intelectual”. Corrigiu: — “Não sou intelectual”. O outro insiste: — “É intelectual, sim”. O meu amigo apontou o dedo: — “Se me chamar de Intelectual outra vez, parto-lhe a cara”, É triste, é humilhante ser Neruda." 1968
Posted on: Thu, 22 Aug 2013 12:33:50 +0000

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