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Colegas, Envio texto que escrevi para a revista eletrônica do Observatório da Imprensa (em formato texto, conforme a recomendação do Ed). Será um prazer discutí-lo com vocês. Um abraço, Nádia Fonte: Qui, 5 de Jul de 2001 10:34 pm nadia farage br.groups.yahoo/group/1rnet/message/2457 Durante o mês de junho, a Superinteressante, revista de divulgação científica voltada ao público não especializado, publicou matérias sobre a vivissecção. Diante da desinformação do público e do largo silêncio mantido pelas publicações especializadas quanto a um tema espinhoso, a publicação é extremamente bem vinda; ao mesmo tempo, convida a uma reflexão sobre seu significado. Os artigos em favor da vivissecção - um assinado pelo Dr Isaías Raw, diretor do Instituto Butantan; outro, pelo Dr. Roberto Sogayar, docente da Universidade Estadual Paulista - sustentam posição clássica: brandindo os avanços da ciência e seus benefícios à humanidade, argumentam pela inevitabilidade da experimentação animal, desqualificando toda oposição como obscurantista e anti-humanista. Com efeito, alegando a defesa do humanismo, Dr Isaías Raw declara que toda resistência oposta ao modelo experimental seria obra de histéricos. Deixemos de lado o fato de que o rol dos histéricos inclui nomes ilustres. Tal posição elide, inicialmente, o fato de que se trata de matéria controversa no próprio campo do discurso especializado, onde o modelo encontra resistência organizada como, por exemplo, aquela oposta pela Liga Internacional dos Médicos Anti-Vivissecção (LIMAV). A argumentação silencia, ainda, sobre outro aspecto crucial da controvérsia, qual seja, o sofrimento e o desperdício, muitas vezes, inútil de vidas animais nos experimentos praticados nas instituições de ensino e pesquisa no país. Ações judiciais vêm se multiplicando pelo país, contra o uso abusivo de animais no ensino e na pesquisa, fundamentadas na Lei Federal 9605, de 12.02.1998 (Lei dos Crimes Ambientais) que, em seu artigo 32, penaliza o uso de animais para fins didáticos ou de pesquisa, quando há recursos alternativos. Enquanto a discussão especializada sobre recursos alternativos não se desenvolve satisfatoriamente - o que parece se dever a uma certa inércia intelectual, bem como ao baixo custo da vida animal, reproduzida em biotérios ou cedida pelo Estado dentre a população animal recolhida pelas ruas -, a posição vivisseccionista nos ameaça com um retorno à Idade Média - trevas e epidemias, clama o Dr Sogayar - caso fosse abolida a experimentação animal como prática científica. O argumento é construído de modo a nos colocar diante de uma escolha extrema: ou eles, os animais ou nós, os humanos. Os argumentos contra a experimentação animal, também sumarizados pela revista, apóiam-se em duas linhas não necessariamente correlatas: de um lado, sustentam anti-vivisseccionistas que, tecnicamente, o modelo animal não serve para o homem. O argumento adentra, portanto, um terreno perigoso: aventando a inutilidade do experimento, traz a premissa implícita de que, fossem úteis, seriam válidos. O modelo experimental permanece, assim, infenso à crítica. De outro, aventam objeções de ordem ética. Sua vertente soft demanda o que se conhece por política dos 3R - reduce, refine, replace -, idéia que também parece ter inspirado a Declaração dos Direitos dos Animais, proclamada pela Unesco em 1978. Posição mais extrema seria a que vê um impeditivo de ordem moral em experimentos que, notoriamente, causam o sofrimento e a morte de seres sensíveis: na expressão aguda de Mat Cartmill[1], a vivissecção seria a predação das classes altas. Não me demorarei, entretanto, no teor do debate. Interessa-me, antes, interrogar sua operação retórica, naquilo que indicia quanto às relações entre ciência e sociedade. Para tanto, retomo o exame da posição vivisseccionista. De modo importante, o argumento apóia-se na premissa de que as espécies animais constituem recursos para a vida humana. Faz, assim, tábula rasa da legislação brasileira contemporânea, pois, ainda que timidamente, a Lei Federal 9605, acima referida, em seu artigo 32, ao penalizar os maus tratos contra animais, retira-os da condição de recurso ou patrimônio, instituindo-os como sujeitos [2]. Em paralelo à legislação francesa, discutida recentemente por Ph Descola[3], pode-se dizer que a legislação brasileira, hoje, reconhece nos animais, senão personalidade jurídica, pessoa moral. Exceção feita à Lei 6638, de 8.05.1979, em que os animais figuram, notadamente, como recurso, o Decreto Federal 24.645, de julho de 1934, ao declarar os animais tutelados do Estado, já assim o indiciava. O artigo 32, da lei 9605, formula o princípio, entretanto, de maneira inequívoca: os maus tratos, infligidos contra animais, não são agravos feitos a proprietários ou possuidores. É nesse espaço estratégico que se insere, incipiente, a luta política contra a experimentação animal no país. Mas é, ainda, desta perspectiva, que podemos entender o radicalismo do argumento vivisseccionista apresentado na matéria da Superinteressante, reconhecimento pelo negativo de que a comunidade científica não pode mais dispor desses recursos sem prestar contas à sociedade. O cerne da questão consiste, portanto, em um embate entre os interesses da ciência e valores socialmente reconhecidos. Uma ciência que se produz em um vácuo ético evoca, irresistivelmente, o contexto nazista, como bem o fez, recentemente, o filósofo R.Romano, em artigo na Folha de São Paulo (Cadernos Mais! 2001). Para além da metáfora, há que relembrar a experiência histórica do nazismo, pois, até os horrores do holocausto, não havia codificação internacional que regesse a experimentação médica [4]; este foi, aliás, o ponto forte aventado pela defesa dos médicos nazistas julgados em Nuremberg [5]. Os depoimentos de ex-prisioneiros de campos de concentração, arrolados pela corte de Nuremberg ou publicados posteriormente, mencionam que, nos campos, aqueles selecionados para experimentos eram designados pela expressão porquinhos da Índia. Poder-se-ia considerar o epíteto uma extensão metafórica da experimentação animal, quando atingia judeus, ciganos, comunistas e outras categorias consideradas sub-humanas pelos nazistas[6]? Nesta linha, é significativo o fato de um dos acusados, Wolfram Sievers, antropólogo que dirigiu a Sociedade da Herança Ancestral (Ahnenerbe), haver declarado, candidamente, à corte que a experimentação na população em campos de concentração se realizara porque, durante a guerra, o suprimento de animais de laboratório fora interrompido. O julgamento de Nuremberg veio a fornecer diretiva para o protocolo de Helsinki, em 1964, emendado em datas posteriores: preservando inteiramente a experimentação em animais e, portanto, a experimentação como prática científica, o protocolo propõe como princípio ético o consentimento informado. Assim, uma lição fundamental que se poderia extrair da experimentação nazista foi, ali, perdida: a de que uma mesma lógica preside o modelo experimental, seja aplicado a animais, seja aplicado a humanos, em particular considerando a alta labilidade do conceito de humano. A solução de compromisso configurada na idéia de consentimento informado supõe, evidentemente, consciência, capacidade de raciocínio e escolha por parte do sujeito paciente do experimento. Porém, experimentos, que se acumulam desde o pós-guerra, vêm provar a fragilidade do princípio. Um dos casos mais bem documentados, estudado pelo historiador James H.Jones[7], foi o projeto médico governamental que, de 1932 aos anos 70, seguiu o desenvolvimento da sífilis em uma população de homens negros no Alabama, sem lhes dar conhecimento sequer da doença que portavam, nem lhes oferecendo a oportunidade de tratamento com antibióticos após os anos 40. Aliás, os anos da guerra fria, como relata J.D.Moreno[8], foram anos de intensa experimentação médico-militar nos EUA, em que o segredo e a desinformação das vítimas foram considerados vitais ao sucesso do empreendimento. Ecoa entre nós a recente denúncia da experimentação realizada entre os Yanomami, nos anos 60, sob os auspícios da Comissão de Energia Atômica dos Estados Unidos. Atos passados? Não é o que se depreende da excelente série de reportagens, publicada pelo Washington Post em dezembro de 2000, que registra experimentos não consentidos de laboratórios multinacionais com drogas novas em regiões pobres do planeta: o caso mais gritante, registrado pelo jornal, é o do experimento do laboratório Pfizer com um novo antibiótico - Trovan - entre crianças atingidas por epidemia de meningite na Nigéria em 1996 (Washington Post, 17.12.2000). Tais casos demonstram que, desde sua formulação, o princípio do consentimento informado raras vezes terá saído do papel. Mais do que isso, desvelam a falsa escolha entre eles, os animais e nós, humanos. A luta política é outra, portanto; trava-se, surdamente, pelo controle social das práticas científicas: em um pólo, a sociedade civil que, aos poucos, se organiza; em outro, o campo especializado que resiste em perder o monopólio de suas decisões, validadas em boas intenções relativas à saúde humana. As matérias publicadas pela Superinteressante vêm demonstrar que, apesar do esforço de auto-fechamento da comunidade científica, este é um debate que ganha as ruas, pois que pertence à opinião pública. Nádia Farage Depto. de Antropologia - IFCH UNICAMP (texto a ser publicado pela revista eletrônica do Observatório da Imprensa) [1] CARTMILL, M. 1996 A view to a death in the morning: hunting and nature through history. Cambridge, MA, Harvard University Press. [2] Este reconhecimento de direito inerente ao animal é o dado que, certamente, provoca a combatividade dos lobbies da exploração animal no legislativo, que operam pela extinção do artigo 32. [3] DESCOLA, Ph. 2001 Par delà la nature et la culture. Le Débat 114, mars-avril 2001. [4] As várias experiências médico-militares realizadas em campos de concentração - como, por exemplo, resistência à alta pressão ou a baixíssimas temperaturas, malária, ferimentos de guerra ou as mais conhecidas experiências genéticas, cuja caricatura macabra é tema corrente no cinema e na literatura - foram objeto de julgamento exclusivo pela corte estabelecida pelos aliados em Nuremberg, entre 1947 e 1948, posterior, portanto, ao julgamento dos crimes de guerra, mas também definidos como crimes contra a humanidade. [5] Anote-se, de passagem, que as atrocidades cometidas pelos japoneses contra prisioneiros de guerra na assim chamada unidade 731, na Manchúria, sequer foram objeto de julgamento; o Japão, até hoje, recusa-se a reconhece-las como crimes de guerra. [6] Nesse sentido, lembra-nos W.Dressen que a esterilização e a eutanásia de doentes mentais - inúteis comedores lhes chamavam os nazistas -, praticada desde a ascensão do hitlerismo nos anos trinta, já fazia parte de uma matriz de desumanização. Veja-se Dressen, W. Lélimination des malades mentaux, in Béderida, F. (ed), 1989 La politique nazie dextermination, Paris, Albin Michel. [7] JONES, J.H. 1993 Bad Blood: the Tuskegee Syphilis Experiment. New York, The Free Press. [8] MORENO, J.D. 2000 Undue Risk: secret State experiments on humans. New York, W.H.Freeman and Company.
Posted on: Thu, 17 Oct 2013 08:10:27 +0000

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