Enquanto a primavera não vem. Jorge Manoel - TopicsExpress



          

Enquanto a primavera não vem. Jorge Manoel Venâncio Martins Vi, sentado na praça, um soldado pensativo e olhando as flores do jardim. Sentei-me no mesmo banco em que se encontrava aquele jovem. Olhei bem ao redor, percebi que nutria de uma grande solidão E estava distante, parecia descansar-se após um dia de trabalho. Não errei. Ele estava mesmo num momento muito dentro dele. Me olhou e me ofereceu um distante sorriso, ao que me agarrei. Me perguntou se eu participara da manifestação dos estudantes. Acompanhei, disse-lhe. Eles lutam por coisas que dizem respeito a todos nós, não é? É. Concordo. Disse-lhe novamente. E ele silenciou… Ousei perguntar-lhe: você estava trabalhando? Estava. Na linha de retaguarda. Seguia na segunda linha... Vi muita gente machucada, uns com balas de borracha, choques elétricos, Outros sendo pisoteados, outros caindo de viadutos... triste. Eu estava protegido por esta farda, pelo capacete... Eu defendia a ordem. E ouvia o comandante: bate, atira, são baderneiros! Eles estavam ali, gritando palavras como liberdade, “não queremos violência” “Abaixo a repressão”... E no meio daquelas vozes, uma roeu meus ossos: Pai, você me acertou um tiro. Não parei mais, resisti à pressão, meus olhos dilataram-se, meu corpo virou uma couraça. Continuei calado. Agora era eu quem guardava o silêncio. Protagonizou ele. Triste história, moço. Foi assim também com meu avô. Um operário da construção civil, pedreiro dos bons. Numa passeata, Meu pai fardado, armado com armamento pesado, os operários romperam o limite, Meu pai aciona o gatilho, acerta, entre os vários operários, o pedreiro, seu pai, meu vô. Eu, aqui, moço. Olho para as flores, admiro suas cores. Procuro as minhas. Descolorido... Cadê meu verde, meu azul, cadê meu grito de liberdade. Está tudo oculto no leite Que não posso beber todos os dias, na carne, alimento raro na minha mesa. Transporte coletivo, somente quando estou fardado. Moradia? Minha casa fica ao lado de um homem que prendi, suspeito por crime de furto. Moço, olho bem para este jardim, vejo cada folhinha dessas relvas, penso no congresso Penso nas câmaras federais, penso no judiciário, no legislativo e no executivo. Poderes para quem? Democracia para quem? São eleitos para representar quem? Assim como a construção destes estádios absurdamente caros, para quem? E ai, moço, lembrando de meu vô, lembro do poeta que escreveu um dia, um belo poema: O operário em construção. Junho de 2013 – Belo Horizonte – Minas Gerais
Posted on: Wed, 19 Jun 2013 01:23:18 +0000

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