Eu tive um cão. Chamava-se Veludo, magro, asqueroso, revoltante, - TopicsExpress



          

Eu tive um cão. Chamava-se Veludo, magro, asqueroso, revoltante, imundo, Para dizer numa palavra tudo, foi o mais feio cão que houve no mundo. Recebi-o das mãos de um camarada. Na hora da partida, o cão gemendo não me queria acompanhar po nada. Enfim - mau grado seu - o vim trazendo O meu amigo cabisbaixo, mudo olhava-o... sol nas ondas se abismava... Adeus - me disse, - e ao afagar Veludo, nos seus olhos o pranto borbulhava. Trata-o bem. Verás que o rafeiro te indicará os mais sutis perigos; Adeus. E que este amigo verdadeiro te console no mundo ermo de amigos. Veludo a custo habituou-se a vida, sua rugosa pálpebra sentida que o destino de novo lhe escolhera; chorava o amigo que perdera. Nas longas noites de luar brilhante, febril, convulso, trêmulo a sua cauda - caminhava errante a luz da lua - tristemente uivando Tussenel! Figuie e a lista imensa dos modernos zoológicos doutores dizem que o cão é um animal que pensa; talvez tenham razão esses senhores Lembro-me ainda. Trouxe-me o correio, cinco meses depois, do meu amigo um envelope fartamente cheio! Era uma carta. Carta! era um artigo contendo a narração miuda e exata da travessia. Dava-me importantes notícias do Brasil e de La Plata. Falava em rios, árvores gigantes! Gabava o steamer que o levou! Dizia que ia tentar inúmeras empresas Contava-me também que a bordo havia mulheres jovens - todas francesas. Assombrava - muito da ligeira modalidade que encontrou a bordo; estava o caso de uma passageira... mal coisas mais do que me não recordo. Finalmente por baixo disso tudo em nota breve do melhor cursivo recomendava o pobre do Veludo pedindo a Deus que o censervasse vivo enquanto envia, o cão tranquilo e atento me contemplava, e - creia que é verdade vi, comovido, vi nesse momento seus olhos gotejarem de saudade. Depois lambeu-ma as mãos humildemente, estendeu-se aos meus pés silencioso movendo a cauda - e adormeceu contente farto de um puro e suculentogozo. Passou-se o tempo. Finalmente um dia vi-me livre daquele companheiro;para nada Veludo me servia, dei-o a mulher de um velho carvoeiro. E respirei! !Graças a Deus já posso digo eu Viver neste bom mundo sem ter que dar diariamente um osso a um bicho vil, a um feiom cão imundo. Gosto de animais, porém prefiro a essa raça baixa e aduladora um Alazão Inglês, de sela ou tiro, ou uma gata branca sizmadora. Mas respirei. Porém quando dormia e a negra noite amortalhava tudo senti que a minha porta alguém batia! Fui ver quem era. Abri. Era Veludo. Saltoume as mãos, lambeu-me os pés ganindo, farejou toda a casa satisfeito. E - de cansado - foi rolar dormindo como uma pedra junto ao meu leito Pragueje i furioso, era execrável suportar esse hóspede importuno que me segui como o miserável ladrão, ou como um pérfido gatuno. E resolvi-me enfim. Certo, e custoso dizê-lo em alta voz e confessá-lo para livrar-me desse cão leproso havia um meio só! era mat[a-lo. Zunia a asa fúnebre dos ventos; ao longe o mar na solidão gemendo, apresentava em uivos e lamentos... de instante em instante ia o tufão crescendo. Chamei Veludo; ele seguiu-me. Entanto a fremente borrasca me arrancava dos frios ombros o revolto manto. E a chuva meus cabelos fustigava. Despertei um barqueiro. Contra o vento, contra as ondas coléricas vagamos; Dava=me força o torvo pensamento! peguei um remo - e com rumor remamos. Veludo a proa olhava-me choroso como um cordeiro no final momento; Embora! era fatal! era forçoso livrar-me enfim desse animal nojento. No largo mar ergui-o nos meus braços e arremessei-o as ondas de repente... Ele moveu gemendo os membros lassos lutando conta a morte! era pungente! Voltei a terra - entrei em casa, O ventozunia sempre na amplidão profindo. E pareceu-me ouvir o atroz lamento de Veludo nas ondas moribundo. Mas ao despir dos ombros meus o manto notei! - Oh grande dor - haver perdido uma relíquia que eu prezava tanto! Era um cordão de prata! - Ei tinha-o unido contra o meu coração constantemente e o conservava no maior recato pois minha mãe me dera essa corrente, e suspensa a corrente, o seu retrato. Certo caira além do mar profundo, no eterno abismo que devora tudo; E foi o cçao. Foi esse cão imundo a causa do meu mal; ah se Veludo Duas vidas tivera - Duas vidas eu arrancaria aquela besta morta e aquelas vis entranhas corrompidas! Nisto senti uivar a minha porta. Corri - Abri... Era Veludo! Arfava! Estendeu-se aos meus pés. - e docemente deixou cair da boca que espumava a medalha suspensa da corrente. Fora crível, oh Deus! - ajoelhado junto ao cão - estupefacto, absorto, palpei-lhe o corpo, estava enregelado; sacudio-0, chameio-0! estava morto! CRESTOMATIA. Colégio Americano Batista. Recife-Pe. Curso de Admissão ao Ginãsio. Professora -Áurea Pinto. Colegas-Icrá, Elisafan e Anibal (onde estarão!). Ano -1945-aos dez anos conheci esta obra-prima de Luiz Guimarães Filho, que tantas lágrimas infantis me produziu. Tenho hoje setenta e oito anos de gratidão a este gênio de estro
Posted on: Tue, 12 Nov 2013 02:57:08 +0000

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