JUÍZO PRÁTICO. O PERIGOSO “ATIVISMO JUDICIAL”: LIBERDADE - TopicsExpress



          

JUÍZO PRÁTICO. O PERIGOSO “ATIVISMO JUDICIAL”: LIBERDADE (REPUBLICANA) E CONTROLE DA DECISÃO JUDICIAL . PARTE II “Com o ativismo judicial o delírio da imaginação hermenêutica alcança seu “zênite”... E nos rouba liberdade, na medida em que o descontrolado arbítrio hermenêutico de um magistrado, ao atingir as máximas cotas da fantasia interpretativa, outorga legitimidade a qualquer demoníaca decisão ´de salão´. ” De acordo com a ideia republicana de liberdade, é livre quem não pode ser arbitrariamente interferido por outros; a possessão da liberdade requer não somente a ausência de interferência por parte dos demais nos espaços em que elegemos e tomamos decisões relevantes para o desenvolvimento de nossas vidas, senão também a ausência de controle não justificado, quer dizer, ausência de dominação. Para o republicanismo, pois, o fundamental da liberdade como “não dominação” será que não exista interferência de uma vontade “arbitrária”. Nesse sentido, não está minguado em sua liberdade, nessa mesma acepção da palavra, quem se vê interferido por outros de maneira que “não” são arbitrárias. A liberdade republicana, à diferença da liberdade liberal, puramente negativa, é um conceito disposicional: sou livre quando não estou sob a mão ou potestade de ninguém, quando ninguém poderá – faça de fato ou não – interferir a seu arbítrio em meus planos de vida. O mesmo é dizer que uma interferência não será arbitrária ou causa de dominação na medida em que seja exercida sob o controle estrito e prioritário dos sujeitos interferidos. A interferência não arbitrária – isto é, a interferência que o interferido tem a capacidade de controlar – não constituirá forma alguma de diminuição ou negação da liberdade como não dominação do sujeito interferido. Isso se deve ao fato de que a interferência arbitrária requer, pelo menos, a possibilidade de interferir à vontade e com impunidade. Se eu posso pôr freio a certo tipo de interferência que se me exerce, ou se eu posso fazer que aos sujeitos que interferem lhes resulte demasiado custoso interferir em minha vida (até o ponto de que deixe de ser racional para eles o continuar interferindo), então o fato de que eu permita tal interferência não significa que esteja sendo dominado. [Suponhamos que permito a alguém guardar as chaves de meu carro ou esconder meus cigarros. Quando esse alguém atue de acordo com dita permissão, que eu lhe outorguei, pode que interfira em minha vida, mas em nenhum caso sua interferência constituirá uma forma de dominação ou interferência arbitrária. (P. Pettit, 1999 e 2006)] Assim as coisas, parece ser perfeitamente legítimo perguntar se é possível que a interferência praticada pelo Poder Judiciário, ao tomar uma decisão não vinculada à Constituição ou à lei, pode vir a constituir uma forma de dominação ou interferência arbitrária nas vidas daquelas pessoas que, em termos normativos, saiam perdendo em decorrência desse provimento (decisão). A resposta a esta questão parece ser muito clara: quando esta intervenção do Estado-juiz é conduzida de tal modo que outorga ao cidadão uns níveis de controle sobre a forma e o conteúdo em que a intervenção estatal tem lugar (ou, o que é o mesmo, garante ao indivíduo a capacidade de controle sobre o conteúdo e a forma como interpreta e aplica o Direito), não haverá dominação nos termos a que estou me referindo. O argumento é simples: serei controlado (arbitrariamente) por instâncias alheias na medida em que o Poder Judiciário tenha arrojado uma decisão que interfira em minha vida à vontade (ou seja, sem nenhum controle) e a um custo intolerável; quer dizer, com certo grau de impunidade pelo mau, desenfreado, ilimitado e/ou desvinculado uso de um poder do Estado. E é precisamente com o ativismo judicial (inovador) que o delírio da imaginação hermenêutica alcança seu “zênite”. Qualquer hermenêutica arbitrária ou caprichosa que atinja as máximas cotas da fantasia interpretativa e implique uma “alternativa” à Constituição ou à lei não pode (e nem deve) ser admitida, de modo algum, pelas sociedades atuais, porque com ela se volatizaria, justamente, a democracia e nos encontraríamos reinstalando, em realidade, um verdadeiro governo despótico de uma minoria de juízes que não tardaria em buscar e encontrar uma fundamentação ideológica, política, social, filosófica ou “transcendente” correlativa para outorgar legitimidade a qualquer demoníaca decisão “de salão”. Daí porque, atualmente, se exige não somente decisões dotadas de autoridade, senão que também se pede razões. Isto vale principalmente para a administração da justiça. A responsabilidade do magistrado, em mãos de quem está depositada a vida e o destino de uma comunidade, se converte cada vez mais na obrigação ou dever de justificar suas decisões. A base para o uso do poder por parte do juiz reside na aceitabilidade de suas decisões e não na posição formal de poder que possa ter. Quero dizer, a responsabilidade (obrigação ou dever) do magistrado de oferecer justificação é, especificamente, uma responsabilidade de maximizar o controle público da decisão, sendo que sua representação (da justificação) é sempre também um meio para assegurar, sobre uma base racional, a existência da certeza e da segurança jurídica na sociedade (A. Aarnio, 1997). Por isso a exigência de que todos os julgamentos sejam públicos e fundamentadas todas as decisões; de que é a publicidade e a motivação que asseguram racionalidade/objetividade e, com isto, mais segurança às decisões (P. Martí, 1994) – que se relaciona com a previsibilidade, ou o que Elías Díaz chama a “certeza moral”: critérios de decisão a fim de que cada um saiba a que ater-se e que exige poder predizer ou prognosticar, dentro de certas margens, qual o resultado de um conflito/litígio. É através da justificação (de sua fundamentada, racional e razoável vinculação ao ordenamento jurídico) como o magistrado (um “condenado” a julgar), enquanto mediador “na” comunidade e “para a” comunidade da ideia de Direito e da justiça que o fundamenta, cria e estabelece a credibilidade na qual descansa o controle e a confiança dos cidadãos acerca de sua atividade. A verdadeira alternativa ao recurso utilizado pelo legislador para afrontar e contornar os problemas e conflitos sociais, de justiça e de segurança jurídica, não é a de reinventar o “ativismo judicial”, senão a de habilitar os julgadores a assumir, de forma virtuosa, inflexível e qualificada a responsabilidade que lhes cabe e cuja tarefa seja a de afirmar indistintamente os direitos e deveres de toda a pessoa humana, projetando “na” e “através” da normatividade (constitucional e legal) vigente os princípios e valores fundamentais do Direito; isto é, de habilitar-lhes ao inegociável compromisso de colocar-se à frente dos fatos e dos vínculos sociais relacionais para, com a iniludível “pré-compreensão” e talento de desenhador que caracteriza o ato de julgar, impulsionarem os câmbios necessários para que se promova um panorama institucional, normativo e sócio-cultural o mais amigável possível para a construção de uma sociedade livre, igualitária e fraterna. Como lembra D. Simon (1998), nós todos desejamos um juiz independente; independente no sentido que não depende da política, da religião e nem mesmo dos partidos ou da concepção de mundo, mas que segue somente a representação de valor da lei e não a sua. O mesmo é dizer que não parece demasiado estar atento aos problemas relacionados com os inconvenientes, os limites e a natureza essencialmente subjetiva da “ponderação” como técnica argumentativa [que consiste fundamentalmente em um processo (subjetivo) de valoração das razões para interpretar a norma de uma ou de outra maneira, no contexto de suas interpretações possíveis]. Porque, e aqui está o dado decisivo, nem as leis, os princípios, os valores e nem as circunstâncias do caso pesam “em si”. O significado não é inerente às normas e os textos não falam por si mesmos. As normas jurídicas não possuem representação de valor. As normas possuem somente palavras. Quais os valores e significados que devem ser ligados a estas palavras são problemas vinculados à tarefa dos intérpretes: o respectivo “significado”, “peso” e/ou “valor” dá o juiz, ao “sopesá-los” e ao “ponderá-los”. Esta a razão pela qual P. Häberle (2009) afirma que não existe norma jurídica, senão norma jurídica interpretada e que interpretar um ato normativo nada mais é do que colocá-lo no tempo e contextualizá-lo no espaço; enfim, de integrá-lo no mundo da vida vivida. Este também o motivo pelo qual Jonh Merryman (2001) recorda que os juízes exercitam um poder e onde há poder sempre pode haver arbitrariedade. Isto implica que o papel dos magistrados deverá seguir estando vinculado à Constituição e à lei – que nunca podem ser livres de contexto, senão que devem ter em conta seu “lugar na vida” e sempre “em situação” –, em nome das quais fala e das quais extrai unicamente a justiça e a legitimidade de suas decisões (e não de nenhuma idiossincrásica fórmula pessoal camuflada de “teoria”, “ativismo” ou de qualquer técnica mágica aplicada deliberadamente à «onipotência» atribuída, implicitamente, a um texto jurídico). Do contrário, se a decisão de aplicar ou não uma norma depender exclusivamente do capricho de determinados magistrados, a Constituição se metamorfoseará rapidamente em “nada más que una pieza de tela que los jueces se arrancarían luchando como perros, hasta que sólo quedaran jirones desgarrados, sucios, insignificantes”. (G. Radbruch)
Posted on: Tue, 08 Oct 2013 05:48:00 +0000

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