Promotor Ele era promotor de justiça : seu trabalho, montar - TopicsExpress



          

Promotor Ele era promotor de justiça : seu trabalho, montar acusações, extrair vestígios de dúvida de maneira que a condenação do réu fosse mais que provável, inexorável. Estava acostumado a pegar cada réu pela mão e conduzí-lo calmamente pelo caminho da autodestruição, como diria John Grisham em um de seus livros. Ao longo dos 20 anos de carreira, passou por mais de 80 júris populares e conseguiu condenação em 72 deles. Sentia orgulho do que fazia, sabia que seu trabalho tornava o mundo um lugar mais seguro. A consciência do dever cumprido era suficiente para compensar os riscos impostos pela profissão. Aquele caso era diferente todavia. As fotos do corpo perfurado por dezenas de punhaladas não saíam da sua cabeça. Aquele corpo não poderia ser apenas mais uma vítima desconhecida que clamava por justiça. Ele havia reunido todas as provas, os relatórios da polícia técnica, os depoimentos da testemunhas que viram o acusado sair do apartamento minutos antes do crime. Todas as evidências e provas levavam à culpa do acusado, mas ele fazia o exercício inverso ao que estava acostumado. Ele buscava falhas nos autos, brechas que a defesa pudesse explorar, buscava a dúvida que por tantas vezes foi mestre em eliminar. Tinha que ser diligente. Nesse caso não poderia haver derrota. Aquele exercício minucioso havia consumido 14 horas diárias de trabalho nos últimos seis meses. Sua vida havia se resumido a estudar o processo. Era como se ela dependesse daquele resultado. A jornada de trabalho extenuante já trazia as marcas no seu rosto e no seu corpo, que dava sinais de cansaço. A leitura como entretenimento havia sido reduzida a quase zero, as séries de TV americana ,que tanto o entretiam, se acumulavam no gravador digital da TV a cabo. Seu único prazer era o relacionamento começado há um ano com aquela mulher especial, que conheceu pela internet e havia se revelado uma grata surpresa. Ele sentia um certo alívio na presença dela. Gostava da admiração que ela sentia por ele e do afeto que brotava das longas conversas sobre interesses comuns, histórias de vida e desejos também. Ela tinha enorme curiosidade pelo seu trabalho e, advogada que era, participava indiretamente daquele processo que tanto o consumia. Conversavam horas sobre os detalhes, as possibilidades e o provável desfecho. Há algum tempo começou a perceber que precisava de mais tempo com ela, precisava de mais companhia, mais afeto e para tudo isso, precisava de mais convivência. Sabia que pareceria precipitado e já tinha uma idade em que os erros ficam muito mais caros. Refletiu profundamente sobre os prós e os contras, o que mudaria com sua decisão de pedí-la em casamento,a probabilidade de sucesso, a vida até que a morte os separasse. Pensou, considerou tudo e estava decidido a fazer a proposta mas havia algo que ela precisava saber. Nunca contou pois precisava ter certeza do seu amor incondicional por ele. O afeto era inquestionável, a admiração idem, a vontade de fazer uma vida em comum também mas ele precisava de um amor incondicional. Sem conseguir mais se concentrar no trabalho, levantou, pegou o paletó e foi embora. Eram tres da tarde e todos notaram sua saída naquele horário e daquele jeito apressado. Do carro ligou para ela, disse que precisava muito conversar e tinha que ser já. Ela pediu meia hora para ajeitar as coisas no escritório. Entrou no carro, a beijou como sempre fazia e partiram em silencio até o café mais próximo. Sentaram e ele disse que precisava falar tres coisas. A primeira o quanto ela era importante e o quanto precisava dela. A segunda que queria pedi-la em casamento. Ao momento de intensa emoção e alegria seguiu-se a fatídica pergunta sobre a terceira coisa. Ele meio engasgado falou que se tratava de revelar algo que ela precisava saber. A mágica do momento anterior foi quebrada pela revelação: era ele o réu do processo que o consumia e sobre o qual tanto conversavam.
Posted on: Thu, 17 Oct 2013 22:59:44 +0000

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