SECRETÁRIA ELETRÔNICA UM APARELHO que atende automaticamente o telefone e grava recados? Não resisto a essas bacanidades: resolvo imediatamente adquirir uma secretária eletrônica. Procuro me informar, telefonando para o Zezinho Gueiros: — Ouvi dizer que você tem uma secretária eletrônica. — Tem o quê? “Phone-answer”, eu deveria ter dito, em bom inglês. Zezinho não revelou grande entusiasmo: — Há mais de um ano que não uso. Só me deu aborrecimento. Ninguém leva a sério! Se quiser, fique com ele, é um favor que você me faz. Ninguém leva a sério... A primeira vez que vi o tal aparelho foi há tempos, em Londres, na agência da Varig. Ao visitar seu diretor numa segunda-feira pela manhã, ele me disse: — Você quer ver como é o brasileiro? E ligou a engenhoca, para colher os recados do fim de semana. Uma delicada voz de mulher dizendo em inglês e depois em português que aquilo era uma gravação: deixasse o seu recado e na segunda-feira seria prontamente atendido. Os chamados em inglês eram cheios de delicadeza e compostura, marcando reserva ou simplesmente agradecendo e desligando. Os chamados de brasileiros, na sua maioria, eram de molecagens e palavrões. De Gaulle tinha razão, não é um país sério. Ainda assim, mandei buscar o aparelho do Zezinho, que não sabia me informar nem como instalá-lo. Me lembrei que o Aloysio de Oliveira devia entender do assunto, pois quando morava em Los Ángeles tinha um daqueles em sua casa: — Aloysio, aquele aparelho... — Isto é uma gravação — interrompeu-me aquela voz inconfundível dos filmes de Walt Disney: — O Aloysio não está. Ao ouvir o sinal, favor deixar o seu recado. Fiu! Quando eu ia deixar o meu recado, ele tornou a me interromper: — Isto é uma gravação. O Aloysio não está. Ao ouvir o sinal, favor deixar o seu recado. Fiu! Isto é uma gravação... E assim ficou: repetindo a mesma coisa o tempo todo, sem que me desse tempo de deixar recado algum. Resolvi apelar para o Grande Otelo que, alguém me disse, também tinha um: — Otelo? É você mesmo, ou é gravação? — Sou eu mesmo. O diabo do aparelho de vez em quando enguiça. E me recomendou o Clovis, que era quem havia instalado o dele. Veio o Clovis, instalou o meu. Funcionou perfeitamente: — Isto é uma gravação. O Fernando não está. Ao ouvir o sinal... Só que era meio esquisito eu mesmo dizer que o Fernando não estava. E não havia jeito de atender automaticamente. Era preciso que o Fernando estivesse, e sempre atento, para fazê-lo funcionar apertando um botão. Assim não tinha graça. O Clovis mexeu e remexeu, levou o aparelho para a oficina, mandou trazer de volta: — Sem o esquema do circuito não dá para consertar. O Zezinho não tinha o esquema do circuito. Acabei desistindo. Mas um dia, ao ligar para um amigo, atendeu-me uma voz que dizia: — Isto é uma gravação. Ao ouvir o sinal... Não ficava bem deixar gravado um recado sobre o próprio gravador, ia parecer brincadeira. Mas no dia seguinte consegui pegá-lo ao vivo e ele me recomendou o Dalton, que era um cobra no assunto. Liguei para o Dalton. — Isto é uma gravação. O Dalton não está. Ao ouvir o sinal. Limpei a garganta e, sentindo-me vagamente ridículo, comecei a deixar o meu recado, O próprio Dalton entrou de súbito na linha, ao vivo, para acabar me dizendo: — Sem o esquema do circuito, não dá. Entreguei os pontos: a secretária eletrônica que fosse para o diabo. Até que, para surpresa minha, ao ligar para alguém que nunca foi muito chegado a essas coisas, antes que eu abrisse a boca, ouvi sua voz enunciando com toda a clareza: — Isto é uma gravação... Não lhe digo o nome, aliás bem conhecido, para não denunciar o seu segredo. Porque ontem o encontrei pessoalmente, e, ao manifestar minha admiração por ter conseguido dominar a secretária eletrônica, ele me confessou, rindo: — Que secretária eletrônica coisa nenhuma! Sou eu mesmo que atendo: faço voz de gravador e no fim dou um assobiozinho assim, fiu! Mais prático e mais barato. Para não falar no susto do gaiato que tenta deixar gravada alguma molecagem: entro logo de palavrão. Fernando Sabino
Posted on: Sat, 07 Sep 2013 08:43:08 +0000
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