Walter Benjamin não recebeu na França a recepção merecida. Por - TopicsExpress



          

Walter Benjamin não recebeu na França a recepção merecida. Por mais exasperante e ofensivo que isso pudesse ter sido, a cidade em si compensava tudo. Seus bulevares, descobrira Benjamin desde 1913, são formados por casas que “não parecem feitas para se viver nelas, mas são como cenários de pedra para as pessoas andarem entre eles” (Briefe, vol. I, p. 56). Essa cidade, onde a pessoa ainda podia passear em círculo em torno dos velhos portões, manteve-se o que foram outrora as cidades da Idade Média, solidamente muradas e protegidas do exterior: um interior, mas sem a estreiteza das ruas medievais, um intérieur ao ar livre generosamente planejado e construído, com o arco do céu como um majestoso forro por sobre ele. “Aqui, a coisa mais bela em todas as artes e atividades é o fato de manterem o esplendor dos poucos remanescentes do original e natural (Briefe, vol. I, p. 421). Na verdade, ajudam-nos a adquirir novo brilho. São as fachadas uniformes, que se alinham nas ruas como muros internos, que fazem com que a pessoa se sinta nessa cidade mais protegida fisicamente do que em qualquer outra. As arcadas que unem os grandes bulevares e oferecem proteção contra o tempo inclemente exerceram um fascínio tão grande sobre Benjamin que este se referia à sua projetada importante obra sobre o século 19 e sua capital simplesmente como “As Arcadas” (Passagenarbeit); e esses caminhos de passagem são realmente como que um símbolo de Paris, pois estão nitidamente dentro e fora ao mesmo tempo e, assim, representam sua verdadeira natureza sob a forma de uma quintessência. Em Paris, um estrangeiro se sente em casa pois pode morar na cidade da mesma forma como vive entre suas quatro paredes. E assim como alguém mora num apartamento e o torna confortável, nele vivendo, ao invés de apenas usá-lo para dormir, comer e trabalhar, da mesma forma a pessoa mora numa cidade vagueando por ela sem intenção ou finalidade, com sua pausa assegurada pelos inúmeros cafés que delineiam as ruas, ao longo dos quais se move a vida da cidade, o fluxo de pedestres. Até hoje, Paris é a única cidade que pode ser comodamente percorrida a pé, e, mais do que qualquer outra, sua animação depende das pessoas que passam pelas ruas, de modo que o tráfego automobilístico moderno ameaça, e não só por razões técnicas, sua própria existência. A desolação de um subúrbio americano, ou dos bairros residenciais de muitas cidades, onde toda a vida das ruas se concentra nas pistas e a pessoa pode andar pelas calçadas, agora reduzidas a trilhas, por quilômetros a fio sem encontrar um único ser humano, é o exato oposto de Paris. As ruas de Paris realmente convidam todos a fazer aquilo que as outras cidades parecem permitir com muita relutância apenas à escória da sociedade – a perambulação, o ócio, a flânerie. Assim, já desde o Segundo Império, a cidade foi o paraíso de todos os que não precisam correr atrás da subsistência, seguir uma carreira, alcançar um objetivo – o paraíso, então dos boêmios, e não só dos artistas e escritores, mas de todos os que se reuniram a eles, por não conseguirem se integrar politicamente – não tendo lar ou Estado – nem socialmente. Hannah Arendt, sobre Walter Benjamin. In Homens em Tempos Sombrios. Juliano ZB Eduardo Ribeiro da Fonseca João Aroldo
Posted on: Tue, 02 Jul 2013 20:05:12 +0000

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