É preciso, sim, discutir o punitivismo no movimento feminista. Na - TopicsExpress



          

É preciso, sim, discutir o punitivismo no movimento feminista. Na realidade, é preciso discuti-lo nos movimentos sociais de forma geral. Maria Lucia Karam já disse isso quando, na década de 90, falou sobre a esquerda punitiva (pt.scribd/doc/74572563/Maria-Lucia-Karam-A-esquerda-punitiva). Vera Andrade também fala sobre isso ao discutir o feminismo e a criminologia (https://periodicos.ufsc.br/index.php/sequencia/article/view/15645/14173) . Nilo Batista também aponta os riscos do uso do direito penal pelo feminismo (crprj.org.br/publicacoes/jornal/jornal17-nilobatista.pdf). A crítica não é nova e muitos criminólogos e autores de direito penal falam do risco que os movimentos sociais assumem ao usar o direito penal e se transformarem em uma "esquerda punitiva", reproduzindo o discurso punitivista que, não raro ou quase como regra, acaba por recair sobre aqueles exatos indivíduos que esses movimentos/grupos pretendem proteger. Mas criticar o discurso punitivista não é só falar em número de condenações ou em pedido de "pena de morte e prisão perpétua". Não vejo movimentos feministas pedindo essas espécies de pena como bandeira ou estratégia política. E, na verdade, ao se falar em desse tema, essas considerações são ainda bem rasas e não tocam na ferida que precisa ser mexida e apenas reproduzem o óbvio quando se fala em "direitos humanos". E eu não sou a primeira (falei disso aqui blogueirasfeministas/2012/10/garantias-penais-e-feminismo-uma-aproximacao-possivel/) nem a última a lançar essa crítica. No entanto, não endosso o texto polêmico dessa semana, por considerar que o que ali é abordado não se compatibiliza com uma crítica e argumentação adequada e aprofundada sobre o tema. O buraco é (BEM) mais embaixo quando se está falando dessa espécie de discurso. E, de forma geral, vejo SIM, punitivismo no movimento feminista. Nos pedidos e gritos apressados de prisões preventivas, confundindo prisão cautelar e condenação. Nas condenações antecipadas e públicas nas redes sociais. Nos projetos de lei pedindo criminalizações de condutas ou aumento de penas. Nas modificações legislativas que suprimem ou diminuem garantias penais. O debate é árduo e não se resume a simples bandeiras. É preciso um "mea culpa" duro e profundo do movimento, sob pena de nós "as vítimas" nos tornarmos o algoz da história ao termos o Sistema Penal nas mãos. A crítica, então, depende de muito mais que um post e esse meu não vai alcançar - assim como o post polêmico não o fez. Mas uma coisa não está incluída nessa crítica. Como bem disse a Hailey " É legítimo que mulheres vítimas queiram a morte ou prisão perpétua de seus estupradores? SIM É. É legítimo que façam lobby político pra mudar a lei e inserir pena de morte/prisão perpétua pra estupradores? NÃO NÃO É." (aqui https://facebook/HaileyKaas/posts/482707551821332). Perdão é assunto de foro íntimo da vítima e quem somos nós para incluir esse desejo ou não em um debate sobre punitivismo e reabilitação do acusado? É interessante e necessário discutir formas diversas de enfrentamento à violência de gênero, que representem uma alternativa ao sistema penal. Mas isso não envolve a discussão sobre perdão. Aliás, essa discussão NADA TEM A VER com um debate sobre direitos humanos ou punitivismo. Desejo de vingança ou sentimento de perdão são pertencentes à vítima (não que a pena não seja uma forma de vingança). E lá devem ficar. A divisão público/privado, tanto discutida no feminismo, aqui tem razão de ser. Como sustenta Zaffaroni, é possível que o feminismo faça uso do direito penal como tática dentro de sua estratégia política (https://zotero.org/spartakku/items/itemKey/PFPVQB8R). Mas é preciso ter cuidado nesse uso, afinal, o sistema sempre escapa de nossas mãos, se expande e se volta contra nós mesmos. E, assim, ao se pensar em como usar o sistema, há que se ter o cuidado na avaliação daquela divisão acima mencionada, seja para não permitir que o sentimento de vingança tome conta de nossas reivindicações e transforme a nós "vítimas" (aqui querendo dizer aquelas que se manifestam em defesa das vítimas) em algozes; seja para não deixar que as escolhas político-criminais feitas não signifiquem a supressão dos sentimentos e vontades da vítima - incluída aqui sua autonomia para perdoar ou não. Discutir alternativas ao sistema penal sempre é válido. E necessário. Mas esse debate sobre "reabilitação" ou "recuperação" ou qualquer outro nome que se queira dar, nada tem a ver com perdão.
Posted on: Sat, 10 Aug 2013 01:22:31 +0000

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